Que tipo de analfabeto é você?

Há algum tempo, numa de suas vindas a Viçosa-MG (onde resido), o escritor mineiro Affonso Romano de Sant’Anna tocou num tema cada vez mais recorrente quando o assunto é analfabetismo. Ele lembrou que normalmente se associa o analfabeto ao indivíduo que não lê e não escreve. Esta associação não é por acaso, já que durante décadas o número de pessoas nesta condição no Brasil foi sempre superior a 10% da população, o que hoje daria mais de 19 milhões.

Affonso Romano mencionou ainda que, além desse analfabetismo elementar, existem dois outros tipos que praticamente abarca o restante da população: o funcional e o tecnológico. O primeiro está dentro daquela faixa que sabe ler e escrever, mas tem dificuldade de entender e de analisar o que lê e escreve. O analfabeto funcional é aquele que engrossa a estatística dos brasileiros que leem, no máximo, um livro por ano (já incluindo os didáticos); é a parcela da população tida como esclarecida, mas que na prática está muito aquém da maioria dos “cidadãos comuns” dos países desenvolvidos.

Já o analfabeto tecnológico, que envolve um número ainda maior de pessoas, é resultante da falta de atualização e compreensão das novas tecnologias que surgem a todo instante nas mais diversas áreas. Na ocasião o escritor se colocava como um deles, chegando mesmo a contar um episódio para ilustrar a sua inserção no grupo. Ele mencionou que certa vez, ao se hospedar em um hotel, recebeu um cartão magnético para acesso ao apartamento em que iria ficar. Até então tudo estava certo, já que conhecia este tipo de chave eletrônica. A situação saiu do seu controle no momento em que entrou no elevador e percebeu que ele subia e descia sem parar no andar solicitado. Foi preciso a ajuda de um funcionário do hotel, que explicou que o mesmo cartão magnético deveria ser colocado no elevador para que ele parasse no andar certo. Tratava-se de um novo aparato de segurança.

Nessa linha eu também me considero um analfabeto tecnológico, embora não me sinta totalmente desconfortável nesta condição. Por exemplo, ainda sou daqueles que usa telefone celular apenas como telefone e que morre de preguiça de digitar nomes e textos naquele teclado minúsculo e multiuso. Também fiquei estacionado no MP3 (perdi a conta dos números maiores que já foram adicionados à frente do MP), que utilizo basicamente para criar trilha sonora em minhas caminhadas.

Nesse caso, é certo que ninguém é capaz de se atualizar em todas as áreas, nem a todo momento. A informática é um exemplo de como são produzidos novos conhecimentos e tecnologias numa velocidade sempre maior do que alguém pode apreender. Não dá para ficar angustiado com tamanha impotência diante desta eterna defasagem de conhecimentos atualizados. Nem foi esta a tônica da abordagem de Affonso Romano de Sant’Anna. A questão básica apontada por ele é a de que o analfabetismo no Brasil atinge a todos e isto é um obstáculo para qualquer nação que se queira desenvolvida, que tenha pretensões de atingir um patamar mais elevado de qualidade de vida, de bem-estar social.

É certo também que não há receitas para se chegar ao topo desse tipo de desenvolvimento. Há, no entanto, caminhos simples que confirmam apenas o que o bom senso é capaz de concluir: analfabetismo e miséria são sinônimos; leitura crítica e educação para a cidadania, antídotos para os dois. Ainda que sejamos todos analfabetos, de uma forma ou de outra, não dá para negar que somente através do exercício da leitura e da escrita seremos individual e coletivamente capazes de nos colocar na contramão desta realidade.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 29/01/2010
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