Modas, mesas e regras

Não diferente de vários colégios, no Colégio de São Bento existiam os ciclos de modinhas. Quando entrei lá, eu encarei essa realidade logo de cara. Meus primeiros dias como um beneditino foram marcados por olhares de repreensão por ser novo e péssimo jogador e entendedor de "tecobol". Tecobol, na verdade, era um jogo bem simples, que consistia em dar petelecos em uma moeda, de preferência de cinco centavos, geralmente emprestada pelo Edson ou pelo Marquinhos (que geralmente não eram devolvidas) na tentativa de fazer gols dentro de uma tábua repleta de parafusos que simbolizavam os jogadores de um time de futebol. Não era minha culpa se eu não conseguia apreender a dinâmica do jogo. Eu, carne nova no pedaço, ainda não entendia como funcionava a mente distorcida de um garoto nativo. Por isso eu não via porque um simples jogo que era facilmente explicado por "petelecos em direção ao gol" tinha que ser complicado com regras como "carregão só na área de defesa" ou "escanteio são oito toques". Mas ainda bem que a minha chegada coincidiu com o final dessa modinha, que emendou logo na volta dos RPG's, moda ditada pelos intocáveis alunos do 2º grau.

Esse exemplo foi só para mostrar como se davam as modinhas no colégio, que serviam geralmente para substituir o futebol quando esse era impossibilitado, seja pelo curto tempo disponível, como os almoços 11h30 (malditos sejam!), ou pelo clima desfávorável, ou ainda porque a bola fora isolada para a Marinha ou para a floresta. Meus pais diziam que essas modinhas serviam para gastar o dinheiro contado do mês com coisas inúteis, como cards, game boys, livros, etc. Eram pouquíssimos aqueles que, até a sétima série, trocavam o futebol do recreio do almoço por uma dessas atividades alternativas, e eu devo dizer que eu o fazia algumas poucas vezes, por não ser um bom jogador de futebol. As únicas ocasiões que era permitido matar o futebol eram nas épocas de prova, quando todos iam para um lugar que julgassem mais calmo dentro da imensidão do espaço escolar, então começava um desesperado estudo de véspera. Tal expressão era levada a um novo nível, já que os beneditinos não estudavam de véspera, mas sim de última hora. Última, no sentido mais imediato e desesperador da palavra. Excetuando-se situações como essas, o recreio do almoço destinava-se ao futebol e ao modismo da estação.

Contudo, entre tantas modas que se passaram, nenhuma me deixa tão saudosista quanto o Tablebol. Tablebol com letra maiúscula mesmo. Não com minúscula que nem o tecobol, porque o Tablebol era esporte quase olímpico e de uma classe digna de hipismo. Devo dizer que ele me fascina principalmente pelo caráter enigmático e misterioso que rondava o esporte. Até hoje eu reflito sobre o Tablebol com a mesma expressão de quando ouço o Obscured by Clouds do Pink Floyd. Nâo se sabe quem foi que criou o jogo, nem em que circunstância ele foi criado. Só se sabe que estava lá. O jogo é basicamente uma mistura de vôlei com tênis de mesa. Uma saudável disputa entre dois atletas ou duas duplas em cima de uma mesa circular que era dividida em dois semi-círculos com giz roubado de sala, que logo depois era utilizado para ser tacado no seu amigo. Então a bola começava a ser estapeada de um lado para o outro num rally em busca do ponto, alcançado sempre que a bola quicava duas vezes na mesa adversária ou quando a mesma quicava uma vez na mesa e a outra no chão.

Não posso esquecer de falar do outro grande mistério em torno do Tablebol: as mesas. Ninguém, que eu saiba, conseguiu descobrir direito o que aquelas eram de verdade. Sugeriu-se que fossem simples bancos, mas esses eram ásperos demais, e eu creio que isso seria tamanha maldade com os fundilhos dos alunos e também com as mães que teriam que costurar as calças rasgadas. Acho que as especulações minimamente plausíveis terminavam por aí. Agora começava a sacanagem inerente a qualquer menino de 12 anos. Já me disseram que era uma série de OVNI's pousados na Terra, o sistema de segurança máxima do colégio, entre outros. Uma vez lembro que suspeitei que era a saída de ar do pátio do quarto andar, então fui até aonde eu calculei ser a tal "saída de ar" e soltei belos flatos cujo odor forte vieram da comida do refeitório, enquanto um amigo averiguava se o cheiro era sentido de perto das mesas. Infelizmente, o experimento foi mal-sucedido.

Como já era de se esperar, vendo o novo jogo, os alunos começaram a criar variações para o Tablebol. Afinal, como no futebol, deviam existir vários modos de jogo que pudessem a se adequar aos vários momentos da longa estadia escolar. O futebol se desmembrava em: dois toques, golzinho, golzinho de praia, cruzamento, porradobol (o jogo mais bárbaro e anárquico), entre outros. O Tablebol começou a sofrer suas variações, como os diferentes tipos de bola, como a de tênis (a original), a de frescobol (só para profissionais, por quicar mais), a de vôlei e a de basquete (Tablebol Extreme). Sem contar as modalidades indoor, como o na mesa da sala, usando apenas o estojo como linha divisória da mesa, e também só valendo um toque, porque a mesa era menor. Mas nada supera o Tablebol na mesa do professor, que era o mais transgressor, por consequente, era o mais divertido. Além dos desvios do padrão, começou logo a criação de inúmeras regras, do mesmo modo que fizeram com o tecobol. "Não vale carregar", "Sem cantinho nem casquinha", "Não vale cortar - salvo o jogo com a bola de basquete"," saque com efeito não precisa cruzar", e principalmente a regra de ouro: quem desrespeitasse as regras contínuamente teria de resolver tudo na porrada logo após o sinal de alerta, o que também era corriqueiro em todos os esportes, e em todos os recreios.

Isso tudo me faz pensar. O Colégio de São Bento tem uma fama de ser uma instituição que preza por uma educação rígida e regrada, e isso é bem verdade, mas não é o que diferencia isso dos outros, já que muitos têm uma ótima escolarização. O aluno do São Bento gosta de regras. Mais do que isso. Ele necessita de regras, sejam elas criadas por ele ou não (vide as regras de convívio do colégio), não para que sejam seguidas, e sim para serem transgredidas. Afinal, tudo que é prazeroso vem com um pouco e culpa para um bom católico, e nada é mais prazeroso do que uma bela cortada com bola de frescobol, ou dar um teco a mais enquanto seu oponente desfia um belo papo.

Acho que o Tablebol foi uma fuga à regra do futebol, por um tempo.

Sibly
Enviado por Sibly em 02/02/2010
Código do texto: T2066047
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.