A síndrome de Narciso

A porta giratória, num vaivém constante, reforça a idéia de ¨ agito ¨ . Como numa vitrine corpos jovens e recauchutados se exibem.

Não sei o que vai por aquelas mentes, mas os corpos suados parecem exauridos, num desperdício de energia. Com fones no ouvido e o olhar distante, as pedaladas na bicicleta ergométrica executadas através de gestos mecânicos sugerem a separação de duas metades distintas. Corpo e mente parecem estranhos um ao outro : enquanto o primeiro se ocupa, a outra se preocupa.

A maioria dos ¨ atletas ¨ que conheço pouco se preocupam com a saúde, é puro senso estético. Continuam fumando, comendo e bebendo desregradamente, sofrendo muito e sentindo pouco prazer. Sem tempo para cuidar da ecologia interior.

Um ¨ outdoor ¨ exibe uma mulher maravilhosa e dá a receita para se ter cabelos perfeitos. Goela abaixo, os mitos da vaidade nos vão sendo empurrados. Neste país mulato é comum nos depararmos com moças de nariz achatado, grossas sobrancelhas negras e cabelos em tons de espiga de milho, já que os homens preferem as loiras... (parece que hoje a moda é ter cabelos mais escuros..) . Mesmo que isso lhe custe boa parte do salário e muitas horas no salão de beleza, não importa, melhora a auto-estima. As armaduras protegem, mas também inibem nossos sentidos em relação à realidade exterior e nos dão chance de entrar em contato com nossas necessidades e desejos íntimos.

A imagem do ¨ eu-maravilhoso ¨ que se apaixona por si mesmo, chegando a morrer em nome dessa auto-estima exacerbada, está presente no mito NARCISO , o belo rapaz que desprezava o amor. Assediado por várias ninfas, um dia despertou a paixão de Eco, a jovem tagarela que já havia sido punida por Hera, condenando a ninfa a apenas repetir as últimas sílabas das palavras. Eco persegue o objeto de sua paixão, mas não consegue se comunicar com Narciso. Entediado com aquela repetição incessante, o jovem pede à ninfa que apareça. Mas quando ela tenta abraçá-lo, ele a repele. Eco, fica revoltada e se refugia numa caverna com seus lamentos, até tornar-se pedra. As outras ninfas também rejeitadas pedem a Nêmesis uma punição para o cruel Narciso.

Num dia de muito calor, voltando de uma caçada, ele debruçou-se num lago. E embevecido com sua linda imagem no lago, caiu e se afogou.

Conheço muitos narcisos modernos.

Homens respeitáveis, ostentam objetos luxuosos e são vaidosos na exata proporção de seus bens. Belas mães de meia idade competindo com suas filhas adolescentes são também outro quadro narcíseo muito comum. Solteiros convictos investindo firme na sedução do olhar, preocupados em amar-se, não abrindo espaços para que ninguém mais possa lhe oferecer carinho e atenção desinteressados. ¨Mulheres inteligentes são perigosas ¨ , eles afirmam

A vaidade cria um muro em vez de uma ponte entre os seres.

A exagerada imagem de auto-suficiência tenta escamotear sua profunda aprovação de dependência do outro. Auto-estima e auto-suficiência exageradas tornaram-se agentes de solidão, mal de que muitos se queixam.

O antídoto para o excesso de aceitação está, porém, ao alcance de todos. Basta encarar de frente as próprias deficiências, e partir para o aprimoramento pessoal.

Um beijo, fui.

Rejane Savegnago
Enviado por Rejane Savegnago em 03/02/2010
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