Pó de memória

A foto da flor branca que tirei na ultima viagem. Mais uma recordação entre tantas, entre todas as lembranças milagrosamente encerradas em meu pequeno cérebro e que, vez por outra, saem a passear. Recordações às vezes espontâneas, outras provocadas – como ver a flor cuja foto chamou a viagem toda para fora.

A penumbra a que me submeto por vontade me leva a outros tempos; nesse caso não é a lembrança que vem, é a memória que vai, teletransportada magicamente cruzando anos de vida. Quantas lembranças ainda guardarei? Quantas imagens colecionarei nesta minúscula tela, expandida milhões de vezes sem que eu precise mover um dedo?

Talvez isso seja um indicativo de que já vivi bastante, ao menos o suficiente para acumular um sem número de recordações de todos os tipos: divertidas, prazerosas, incômodas, belas e não tão belas; saudosas, melancólicas, afetuosas, tristonhas ou fadadas a empoeirar no arquivo. De pessoas que marcaram por alegrarem e por magoarem, por ensinarem e por faltarem. Porém antepassados longevos me indicam, se nenhum fator mudar isso, que ainda posso ter quase o dobro do tempo que já tive para acumular tais lembranças. Ainda que, daqui para diante, a memória falhe, as vivências sejam mais tranqüilas ou não se espere nada do que está por vir, mesmo assim as chances existem e não podem ser ignoradas.

Fico pensando quantas recordações estão ali, adormecidas, esperando um input para virem, escancaradas, à tona. E quantas não serão soterradas pelo pouco acesso, e quantas não se sobreporão às outras pela freqüência incomum com que são resgatadas... Não sei como funciona essa dádiva divina das lembranças, mas gostaria que a morte não as destruísse. Que ficassem de alguma forma impressas na terra, na substância dos vermes que consumirão meu corpo, ou nas cinzas que ele virá a ser.

Que eu possa espalhar minhas memórias nas calçadas da Paulista, para que os pés dos passantes levem para casa o gosto de um determinado beijo; ao vento de Cabo Frio, para que as areias moventes não deixem de soprar um sonho recorrente; sobre o mar de Ilhabela, para que as ondas verdes levem e tragam para todo o sempre aquele momento delicadamente especial; ou entre as montanhas de Minas, para que uma alegria sirva de adubo a uma flor branca eternizada em fotos.