Um amor de verão (1)
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Eu que nunca gostei do verão e vivia a reclamar do calor, há muito prometi não aumentar o número dos que vivem todo o tempo a falar do tempo. Promessa para não ser cumprida fielmente neste verão de 2010, com sensação térmica beirando os 50°C.

Quando ia ao trabalho, em outra cidade, semana passada, na entrada da rodoviária vi a manchete de capa da Zero Hora: “Fornalha”. Dei risada do poder de síntese e exagero do jornalista. Pensei que lá na empresa ainda ouviria a velha discussão sobre a temperatura do ar condicionado. Para alguns congela demais, para outros o ar não alcança e só ventila. Estou entre os últimos.

A manhã passou.  Com uma hora antecipada por causa do horário de verão, no meio da tarde, a humanidade Sul toda ligada em seus sistemas e aparelhos de ar condicionado, eis que “puft”!... O ar disse adeus. Caiu a energia. Voltou a energia. Veio a ordem: desligar tudo por 5 a 10 minutos para ligar depois. Alguns repetiram que a ordem era desligar tudo por 10 a 20 minutos. Mesmo assim um dos aparelhos da sala - entenda-se “estufa” - não funcionou mais.

Eis que se passou manhã e tarde daquele dia? Que nada. Saímos na corrida alguns minutos antes das 18 horas na tentativa de evitar o temporal. Já na rua os fios elétricos estouraram e faiscaram deixando alguns surdos, todos apavorados. Vento. Vento. Vento. A chuva grossa seria bem-vinda se estivéssemos em nossas casas. Ao chegarmos à estação de trem - aqui se chama trem, metrô é coisa de outras terras - o dilúvio se instalara. Tivemos que subir a rampa segurando nas grades de proteção para não voarmos.

Conseguimos entrar no trem, totalmente ensopados. Todas as janelas lacradas. Calor maior ainda. Um “veinho gaudério” resolveu cantar, afinal, quem canta seus males espanta e aos outros diverte. Canção nativa. Conversava sozinho e ria bastante. Eu cochichei às minhas colegas, que ele fora consultor por 19 anos, a nossa profissão, a razão da não razão. Atravessamos a grande Porto Alegre e a chuva diminuiu até podermos abrir um pouco as janelas. O “veinho” desceu, não sem antes abençoar a todos e desejar uma boa viagem. Entrou um pai pedinte, com uma filha no colo e outros dois pela mão. Disse que poderia estar roubando, mas estava apenas pedindo para ajudar a filha, acometida de uma doença rara e que tinha duas línguas. Fiquei pensando se ouvira direito, afinal, tenho dois ouvidos, e como seria uma pessoa falando mal do verão com duas línguas ao mesmo tempo.

O jornalista estava certo. Nunca uma palavra definiu tão bem a estação: fornalha!


meriam lazaro
Enviado por meriam lazaro em 07/02/2010
Reeditado em 20/02/2010
Código do texto: T2073959
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