SALA DE ESPERA (CARDIOLOGISTA)
Primeira vez no cardiologista. Até então vivi em harmonia com as palpitações, registrando algumas circunstâncias para justificar a disritmia e a memória corporal de alguns apertos no peito. Sem grandes sobressaltos. Problema de coração só enquanto metáfora, pois, na marcha dos anos, os batimentos permaneceram como um tambor surdo a ditar o ritmo de algumas vivências, nem sempre com melodias agradáveis.
A sala de espera está cheia, o médico atrasado e os pacientes ansiosos. Espalhadas, nas mesas de centro e laterais, revistas médicas abandonadas. Ler sobre doença à beira do eletrocardiograma pode causar alterações. Causa-me estranhamento a ausência de revistas de fofocas ou de política. Mas... Como em toda a primeira vez estou focada no objetivo sem me deixar prender nos detalhes.
Observo discretamente as pessoas. Começo com as sombras e a percepção dos gestos, até encontrar o olhar da senhora octogenária, sentada a minha frente, acompanhada provavelmente pelo filho. Ela me fita com o olhar travesso enquanto segura as mãos como uma criança indócil. Sorri com ternura. Sua demonstração de afeto me dá segurança. Afinal é só uma consulta de rotina. Mas quando deixam de ser rotina?
A senhora se apresenta. Sofia. Começa, sem grande introdução, a contar os principais fatos da sua vida. Coisas do coração e não propriamente do músculo. Seu filho, agora já reconhecido, fica um pouco constrangido, mas a senhora continua a narração de sua vida com paixão, do casamento à viuvez, do nascimento ao renascimento com os impulsos elétricos de um marca-passo...
Ela está animada. Há poucos meses estava quase desenganada, mas após a introdução do marca-passo sente-se rejuvenescida e já começou até a freqüentar uma academia de hidroginástica. O médico está animado com a recuperação e com os novos exames. Deixou de comer carne vermelha e alguns vegetais, mas não abandonou o hábito de beber uma taça de vinho.
“Nada é mais tranqüilizador do que dedilhar a margem de uma taça de tinto bordô. Dá um novo sabor a geografia das noites. O vinho é uma aurora de revivescências.”
Começo a confessar algumas experiências amorosas. Sinto o coração mais forte. Mas, no auge de nossa degustação de prazeres, somos interrompidas pelo comentário seco da senhora sexagenária sentada ao meu lado.
“Coloquei o marca-passo e não adiantou nada. Volta e meia sou internada.”
Olho para o lado, assustada. Não perguntamos nada e de repente aquela senhora se intromete como um cinzel a retalhar o nosso centro de sentimentos. Vejo quando Sofia contrai as pernas e aperta as mãos com ansiedade. Abandonou a suavidade do riso e agora se esconde entre as rugas realçadas do olhar coagido. O doutor chega e logo a chama. Uma rápida despedida.
Permaneço com um aperto no peito sem saber como me comportar diante da senhora intrometida que insiste em relatar com detalhes suas desventuras e internações. Coisas do coração e não propriamente do músculo. Encontro refúgio numa revista e mergulho num artigo sobre colesterolemia.