LEMBRANÇAS DO PASSADO

Os álbuns fotográficos, vídeos e as reportagens antigas deveriam ser proibidos. Pelo menos nós deveríamos nos proibir de vê-los. A recordação de pessoas que já se foram, as antigas amizades, lugares e situações que ficaram no passado têm o poder de nos virar pelo avesso. E como mexem com a gente! Lembramos-nos de um tempo que não volta mais e percebemos atônitos, que éramos felizes e nem sabíamos. Sábia é a mãe-natureza que nos deu o poder do esquecimento. Se tivéssemos a capacidade de tudo lembrar, com certeza, não seríamos felizes e poderíamos até enlouquecer. Centenas de pessoas perambulam por nossas cidades vitimas de memórias perturbadoras que não abandonam suas mentes. São verdadeiros vírus a destruir a felicidade e a vontade de viver um tempo presente.

Ainda ontem assisti a um vídeo de 10 anos passados. Pude ver minhas filhas pequenas e, podem acreditar, consegui até sentir o cheiro de cada uma delas. Aquela vózinha fina, aquele jeitinho meigo de falar papai, aquele sorriso maroto de me beijar. Duas pérolas do passado que hoje sofrem comigo as atrocidades do presente. Elas sorriam, dançavam, cantavam....e pediam colo. Eu as envolvia em meus braços, as cobria de beijos e, interiormente, lhes prometia o mundo. Um mundo diferente, seguro, feliz...um mundo irreal. Elas acreditavam em mim. Viam em meu rosto a capacidade de vencer as situações difíceis e derrubar montanhas. Hoje, percebem que as montanhas que tentei remover me feriram e, sinto que seus coraçãozinhos me perdoam. Pedras que tentei remover lascaram-se e me cortaram. Minha face modificou-se, meu corpo sente o peso dos fardos reservados à mim pelo destino. Meu descontrole, às vezes, a todos surpreende. No entanto, nos piores dias de minha vida, mais uma vez, os braços de meus dois anjos me envolvem e, num abraço demorado me dizem “Te amamos papai”. Neste momento, a energia do passado volta à carga total e me sinto, novamente, o garoto de vinte anos – confiante que o nosso dia chegará e novas montanhas irei remover. Somos uma família e posso ver nas lágrimas de minha esposa o reflexo de um novo tempo. Às vezes ela chora e, sinto que, imediatamente, é amparada por uma inexplicável força que a arremete para frente em busca de sua tão sonhada felicidade já retratada em nosso álbum de casamento.

O vídeo responsável por tantas recordações mostrava uma festa. E, que festa! Era a comemoração de aniversário de minhas filhas e elas estavam felizes. Muitos convidados. A mineira Expedita lá estava. Sorridente e esbanjando simpatia por todos os lados. Todos os anos ela deixava sua Minas Gerais e ficava entre nós contando os “causos” de sua amada terra. Hoje já não nos visita mais. Foi chamada para morar num plano superior,de acordo com a vontade do criador. Para nós, Expedita morreu deixando para trás imensa saudade. No entanto lá, no vídeo, ela está sorridente e assistindo ao teatrinho de fantoches e rindo da palhaçada de dois palhaços amigos...hoje inimigos.

Uma inimizade ignorante, estúpida e totalmente sem sentido. O egocentrismo falou mais alto e dois amigos, quase irmãos, hoje não se suportam. O vídeo mostrou o talento dos artistas de fazer as pessoas rirem, o poder de trazer felicidade a outros. O vídeo só não pode mostrar o interior de cada um. O que vai pela alma nenhuma tecnologia de imagens até hoje conseguiu registrar. Teria sido a selvageria da concorrência a principal responsável pelo fim da amizade? Ou o ciúmes? Ou a inveja? Ou todos esses fatores somados acrescidos da total falta de amor pelo próximo e uma obcecada e fria visão capitalista, onde o que realmente importa é ter, possuir, mais, mais e mais.

O fato é que de nada adianta devanear-se sobre o passado. O que passou, passou. Era assim que se pensava antigamente, antes das terríveis máquinas que registram imagens desse mesmo passado. Verdadeiros ícones de nos transportar de volta, os álbuns fotográficos, sejam eles com a imagem parada ou em movimento, exercem incrível poder sobre nossos sentimentos. Desperta na gente a vontade de voltar ao tempo em que éramos felizes. E porque ainda hoje não somos felizes? Será que daqui a 10 anos não estaremos, mais uma vez, lamentando o quanto éramos felizes!

Hoje é difícil imaginar tal fato. Sem dinheiro, sem emprego, sem amigos, envolto em constantes escândalos que o envergonham diante da comunidade internacional, fica difícil, para o cidadão comum e honesto, acreditar na felicidade. Resta-nos dar tempo ao tempo e agir em favor de nossa felicidade. Mesmo que alguns não queiram e mesmo que tenhamos que sacrificar algumas falsas amizades, vale a pena lutar pelo desejo de ser feliz. Quanto aos álbuns devemos desafiá-los e mostrar que, embora nosso rosto tenha mudado nestes anos e nossos cabelos não sejam mais os mesmos (onde estarão?), continuamos lindos e fortes. Continuaremos enfrentando os desafios e, a cada dia, desafiando a fragilidade do viver. Sempre confiantes numa força Divina e protetora que deve habitar nosso coração nos dando energia, seremos felizes sim... é preciso acreditar!.

Donizete Romon é jornalista e produtor cultural

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