27 O MARACATU NO CARNAVAL

Uma manifestação essencialmente folclórica e muito importante que foi introduzida no Carnaval, por esta razão mesma, está sendo paulatinamente vulgarizada e, por consequência, será fadada à superação. É de se lamentar vê-la, em breves tempos, fora de moda, desvalorizada e quiçá, em definitivo, posta na prateleira dos carnavais.

Não sou um adivinhão, nem estou aqui a fazer vaticínio, de e/ou por pirraça, pois não sou profeta. Digo o que declaro acima não porque tenha o mínimo de rixa ou aversão aos folguedos e danças do Maracatu. Ao contrário, pessoalmente admiro os rituais muito áfricos dessa belíssima manifestação, até meio aparentada com a umbanda, e cujos méritos são, ao meu entendimento, exclusiva e umbilicalmente ligados ao nosso folclore. Sou dos que o valorizam como testemunho histórico de uma época longínqua que remonta à triste e desgraçada fase da escravidão, no Brasil.

Agora, fazer como se tem feito, sobretudo no Ceará e em Pernambuco, pondo-se nas avenidas reis, rainhas e “baianas”, naquele seu todo impecável branco, com arabescos dourados, é uma extravagância deveras insensata. Não que seja dança de todo maçante, mas os passos rítmicos que praticam os seus brincantes são muito lentos e chegam ao cúmulo do contraditório à folia carnavalesca, que deve ser dinâmica, ágil e fulminante. Os maracatus – data vênia, como os advogados soem esnobar – são invenções para datas apropriadas, como, por exemplo, 25 de Março e 13 de Maio. Aí, sim, a simbiose é perfeita.

Estou defendendo algo polêmico, sei que estou. Há milhares, por aí, que não comungam com o meu ponto de vista. Os robôs é que pensam todos da mesma forma. Assim, defendo-me, sem paixão fervorosa no fazê-lo, dizendo-lhes que não sou nem folclorista nem um carnavalesco de carteirinha, como aquele Joãozinho Trinta. Logo, leigo nas duas matérias, posso à vontade dar os meus pitacos e cometer, cá, os meus desatinos.

Contudo, quero firmar finca-pé no meu parecer: os rituais do Maracatu podem e devem ser levados ao Carnaval, sim, mas como quadros, sequências isoladas, no todo da apresentação de um bloco momino; jamais, nunca como apanágio de um desfile único e inteirinho.

Seja contra-senso, ou não, sem implicância, advogo que os maracatus não deviam levar horas e horas, numa pista, com aqueles zabumbas monótonos e requebros de corpos cansados, enchendo os ouvidos e massacrando os olhos de um público ávido pela alegria e pela empolgação de ritmos bombásticos, básica e principalmente o nosso ritmo que considero o nacional, ou seja, o samba. Mas, desgraçadamente, já mataram as marchinhas e o samba-rancho, que tanto se coadunavam às alegorias e alegrias dos velhos carnavais.

Na Argentina, tango é um tango, sem imitações. Por isso que virou patrimônio da humanidade. Jazz é exclusivo norte-americano, embora haja tantos papagaios, no Brasil, supervalorizando-o. No Ceará, para não fugir aos bons modos do esnobismo, durante os nossos carnavais inexistentes, inventaram de inventar, anualmente, lá na linda e aprazível cidade serrana de Guaramiranga, o “Festival do Jazz”. Esnobismo e besteira muita. E já o samba anda virando “pagode”, o que é outra besteira inominável. Ora, samba é – deveria ser – o nosso ritmo nacional, e não pode ter “mensalões”, nem dinheiro na cueca e nas meias, abestalhando-se com esta corruptela de “pagode”.

De pagode, mesmo, no duro, só o nome do Zeca Pagodinho, que, por sinal, de modo algum, é pagodeiro, mas um baita sambista, ao lado de Beth Carvalho, Lecy Brandão, Martinho da Vila e João Nogueira, este já falecido. Agora, por favor, crucifiquem este cronista opinativo e marruá: nem o Maracatu deve enfiar-se de cabo a rabo nos carnavais, nem festivais de jazz são boa merenda para o Ceará, mormente em épocas do Carnaval, e tampouco o pagode pode chamar-se de samba. Pagode, no máximo, é o samba de que não sabe fazê-lo, com graça, galhardia e elegância, à moda de Noel, Chico Buarque e Jorge Aragão. Viva o Maracatu, como manifestação do nosso folclore, e no seu devido lugar! Fora, de malas a bagagem, os ritmos alienígenas! Viva o samba, que é o verdadeiro ritmo nacional dos brasileiros! O resto, inclusive o pagode, é desgraça pequena.

Fort., 16/02/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 16/02/2010
Reeditado em 02/03/2010
Código do texto: T2089605
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