Mais um Carnaval

Esta é uma poesia que não pode ser escrita em forma de poesia. Ou melhor dizendo: o que eu gostaria de escrever em poesia, mas que se manifestou nesta crônica, única forma possível de expressar o que vi e vivi nesses dias.

A alegria do Carnaval estava presente em cada canto. Gente bonita, muito samba, marchinhas. As ruas cada vez mais cheias, da Zona Norte à Zona Sul. Os blocos, as escolas de samba, o batuque. Carnaval de diversidade, aqui pode homem com homem e mulher com mulher. Não chamaram o síndico e a regra valeu nessa festa. As pessoas puderam experimentar, aproveitar, namorar, ficar com um, com dois, com três. Com todo mudo, se quisesse, de uma vez. Os bate-bolas percorreram as ruas e também os grupos de blocos das piranhas. Com tanto homem sério andando por aí, não deixa de ser engraçado ver essa galera se soltar nesses quatro dias de fevereiro. Dias de sol, quentes de verão. Praias lotadas, no mar e na areia. Banhistas, surfistas, vôlei de praia e esportes radicais. Quanto a mim, aproveitei calmamente a praia do Recreio, a praia de Ipanema, o bloco do Cordão do Boitatá e os desfiles das escolas de samba na Estrada Intendente Magalhães e os desfiles do Grupo Especial pela televisão. Tudo normal nesse Carnaval.

No entanto, não pude deixar de notar os mendigos que ficaram à margem da alegria dos blocos, verdadeiros excluídos deste momento de felicidade coletiva, de loucura coletiva, pessoas que em nenhum momento podem esquecer da dureza de suas vidas. No Boitatá, o lugar de sempre dos moradores de rua era tomado pelos foliões em festa. No caminho até a Cinelândia, os mendigos simplesmente nos olhavam e ficavam parados, alheios a tudo aquilo. Não pude deixar de notar um menino que catava lata na Intendente Magalhães no meio de uma das apresentações. Não pude deixar de notar a sujeira das ruas. Não pude deixar de notar a precariedade dos banheiros químicos providenciados pela Prefeitura do Rio de Janeiro do prefeito recém-eleito da cidade, Eduardo Paes. Poucos, diga-se de passagem. Algumas dezenas de banheiros químicos para os milhares de foliões que deviam se arrumar como podiam entre o fedor, o vazamento por falta de manutenção, e as filas enormes. Não pude deixar de notar o Carnaval da Beija-flor, financiado pelo corrupto governador de Brasília, José Arruda, e que poupou o mesmo das críticas que toda a sociedade brasileira vem fazendo pelo seu mensalão, ou melhor dizendo, bônus panetone de Natal. Mais um pra lista dos vários mensalões que se somam, desde o do governo do PSDB em Minas Gerais até o do governo de Lula e do PT no governo federal. Brasília é exaltada, mas a sua sujeira é posta para debaixo do tapete. Não pude deixar de notar tudo isso e muito mais. Por favor, não pensem que estou de mau humor ou que sou uma pessoa baixo astral, apenas não consegui ignorar aquilo que se apresentava de forma tão gritante diante de meus olhos. Por fim, compreendi exatamente o que significa o capitalismo na prática e a propriedade privada, quando vi bancos e lojas quase murados, cercados, para que aquela festa lá fora, que era de graça, não invadisse o seu território. A propriedade privada só se abre para aqueles que podem pagam, quando se quer pagar. No resto do tempo, são espaços restritos, que até o banheiro se nega, como vi num Macdonald`s de Ipanema. Os transportes coletivos seguem uma desgraça, como foi o caso da linha 758 da empresa Santa Maria, que continuou ruim, mas foi um pouco pior neste Carnaval. Uma demora absurda, poucos carros e total desorganização, afinal, ônibus serve para levar o trabalhador para trabalhar e pronto, não é mesmo? Pra que praia? Pra que Carnaval? Quer curtir a festa? Arrume um carro! Ir à praia do Recreio foi uma verdadeira odisséia. Me senti o próprio Ulisses.

O mundo não vai ser melhor amanhã. O resto do ano é só Quarta-feira de Cinzas. Cabe a nós fazer de nossas vidas um grande Carnaval!

Rafael Rossi