Carnaval : a festa dos vermes!

É carnaval, a festa popular libertina onde tudo é permitido – mesmo às escondidas num cantinho de alguma praça suja. Mal se inicia o ano e muitos já ficam sôfregos para que chegue logo tal data. É óbvio que, assim como o natal, o carnaval tem sua fundamentação baseada em alguma celebração de semelhança pagã; porém a primeira cerimônia transvalorizou-se numa festa cristã devido ao grande culto atribuído ao Deus Sol (Sol Invitus) que era quase impossível ser substituído ou excluído do império romano convertido no cristianismo.

Já a outra manteve seu aspecto pagão de liberdade, por isso é tão cultuado. Porém as orgias de outrora dos bacanais ou de diferentes cerimônias celtas tinham a finalidade de fortalecer o aspecto religioso, celebrando a fertilidade, a colheita ou a transição duma época para outra; e vivia-se certo de que era natural agir naquelas circunstâncias. Mas na atualidade o prazer liberal é o principal almejo dos foliões. Soma-se a isso os vícios alcoólicos e a despreocupação com os problemas do cotidiano e se terá o grande acontecimento do carnaval. A mídia também reforça a festa com intensa propaganda. Ora se até esse órgão influenciador que controla a concepção de quase toda a população atua a favor da festa, há como resistir ao chamado do carnaval?

Libertar-se dos desejos reprimidos pela sociedade moralista; ganhar a permissão do parceiro para gozar com qualquer outra pessoa na noite de folia; ficar pulando feito um idiota com copos de cerveja na mão atrás dum trio elétrico embaixo dum sol escaldante ou de chuva; pisar em urina, suar o abada; nossa quão legal tudo isso! E não há mais nada além disso? Claro: a morte nas estradas, o contágio de DST advindo daquela rapidinha atrás do banheiro, a sensação de descarrego...

É irônico mesmo, quando tudo termina e os hipócritas – ainda de ressaca – dizem que vão refletir sobre a vida na quarta-feira de cinzas. Percebem? Por que eles ainda acham que podem esconder de si mesmo que são apenas porcos imundos incapazes de concretizar atividades culturalmente elevadas, na acepção freudiana?

Agora que a comédia estará numa longa pausa de um ano, é hora de vestir os trajes do mundo; tomar banho e retornar ao teatro da vida, esquecer que são meros animais ávidos pelo delírio devasso sem restrição ou remorso. Todo ato, por mais obsceno e irracional que fora cometido nesse período, adveio da vontade real deles; eles queriam satisfazer de qualquer forma tal ânsia libidinosa. Se eles sentem culpa, ou dizem senti-la, é porque ao terem retornado ao mundo, sentem o peso ético estabelecido – já interiorizado- e não porque de fato se arrependem. Mas porque se arrepender? Viva suas ordinárias virtudes pérfidas, motivadas pela voraz luxúria sem receio, liberte-se do senso moral, mas também se afaste da sociedade e vá viver nos recantos do desprezo.

Carnaval é isso, entregar-se à natureza corruptível quase instintiva sem freios. É também a festa dos imbecis ricos que gastam grandes somas de dinheiro na fabricação de carros alegóricos e fantasias que uma semana depois não terão os mesmo brilhos que tinham naquela noite do desfile.

Se o dinheiro gasto nesses dias fúteis fosse aplicado em hospitais, escolas e outras coisas de importância geral, até que daria para fazer um verdadeiro bem á sociedade. Ridículo seria ver um samba-enredo falando da pobreza, enquanto que os moradores de rua apenas escutam através do vento frio noturno, o disperso som vindo daqueles sambódromos coloridos e vibrantes. É lamentável, mas mesmo mostrando isso ao povo, nada parece abalar essa cerimônia idiota.

Sabemos de tudo isso e nada muda, talvez pela incerteza acerca da índole humana; o homem ainda não decidiu se deseja viver acorrentado nos prazeres fáceis da perdição do caráter ou e acorrenta o caráter nas leis impostas pelo bom costume.

Marcell Diniz
Enviado por Marcell Diniz em 17/02/2010
Reeditado em 19/02/2010
Código do texto: T2091479
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