A BEM-AVENTURANÇA DE UMA LOUCURA

     Era o momento do recreio e os alunos daquela escola procuravam aproveitar cada segundo daquele precioso tempo. Uma aluna aproximou-se de mim e disse apontando em uma direção: “Professora, está vendo aquela mulher ali?”. Olhei na direção em que ela me apontava e vi uma senhora idosa, franzina, cabelos desalinhados, vestida com uma blusa comum e uma saia em avesso, que varria a escola. “De vez em quando ela pára e começa a rir sozinha. Ela é louca! Quer vê fica olhando”, segredou-me aos ouvidos. Repreendi-lhe, então, baixinho, o gesto de apontar as pessoas, dizendo-lhe que aquilo era falta de educação. Depois olhei novamente para a senhora e lá estava ela sorrindo sozinha sem se aperceber das outras pessoas, como se visualizasse outro mundo, invisível aos olhos dos demais, como se não existisse mais ninguém. Era ela, a paisagem e o seu sorriso que parecia nascer dos mananciais mais recônditos de sua alma. A brisa soprava-lhe o rosto e afagava seus cabelos numa expressão de plenitude, suavidade e paz. Ela estava feliz, ali, varrendo as folhas caídas das árvores que lhe protegiam do sol já forte. Vez por outras o vento sacudia as árvores com mais força e delas fazia cair uma chuva de pétalas amarelas sobre a senhora, sobre o chão, diante dos meus olhos. Aquilo tudo era uma pintura! Uma pintura que não poderia caber num quadro. Mas a questão era: seria aquela mulher louca, como a aluna havia dito? Seria loucura se rir sozinha sem se aperceber dos outros? Quem seriam esses outros? Eles existiriam ou não? Estariam ali os outros ou ela própria? Isso suscita inúmeras reflexões desde a questão do ser e do não ser, até a questão do eu e do outro, totalidade e infinito (refletidas em pensamentos como os de Parmênides de Eléia, Aristóteles, Hegel, Russerl, Heidegger, Martin Buber, Emmanuel Lévinas, dentre tantos outros de outros), enfim, tantas indagações que não caberiam nos pequenos braços de uma crônica. No entanto, fica o pensamento e o desejo: abençoados sejam todos os loucos que espalham a paz de suas almas, feito pássaros de luz livres no ar, em forma de sorrisos, pois eles tecem na terra o reino dos céus; bem aventurados esses loucos que, mesmo talvez sem o saber, demonstram que a felicidade não está ligada a nada exterior (condição física, classe social, raça, credo, lugar, tempo ou outros), mas sim está dentro de nós e tem a textura de alma pura e em paz. Bem-aventurados esses loucos que assim possuindo o coração puro já vêem a Deus. Bem-aventurados, porque eles são os justos que já foram consolados e saciados pela justiça divina. Bem-aventurados sejam, pois sabem ler Deus no ar, O sentem tocar suas peles, penetrar seus corpos, célula por célula, centelha por centelha de suas almas, sentindo a dimensão do Criador e do infinito em si. (PRIIIIIIIIIMMMMMMMMM!!!!!!!!). Tocou a sirene para encerrar o recreio, encerrando subitamente o meu êxtase (que não chegou a ser como o de Santa Tereza de D’Avila), mas não encerrou o florescer daquela loucura em mim, eu que quase já havia esquecido, desta loucura enlouquecer.




Imagem: google

Marta Cosmo
Enviado por Marta Cosmo em 20/02/2010
Reeditado em 24/03/2011
Código do texto: T2098181
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