As galinhas do Quim

AS GALINHAS DO QUIM

Alírio Silva

Numa das cidades em que residi, durante minha jornada de bancário, dentre os muitos amigos que tive oportunidade de fazer, um dos mais inesquecíveis foi o Quim. Peça fina. Colega de profissão, só que de outra instituição. O que não prejudicou em nada nossa amizade, inclusive porque, nas horas de lazer, a gente não tocava em assuntos profissionais. Era terminantemente proibido.

O Quim era realmente uma pessoa fora de série. A começar pelo nome: Quim, em geral, é apelido de Joaquim, ou outro nome parecido, mas aquele meu amigo se dava ao luxo de chamar-se Antenor! Antenor!. . . que qui tem o saco com a embira, pomba!

Metido a cozinheiro – e o era realmente - estava sempre convidando os amigos para uma galinhada em seu sítio, pertinho da cidade. E a gente ia, é claro! Cervejinha, pinguinha, tira-gosto de mandioca frita com torresmo, joguinho de truco, galinha com arroz feitos na hora, quem vai injeitar?. . .

Uma coisa o Quim fazia questão de afirmar: só matava galinha que apresentasse algum defeito! E assim, sempre que chamava para uma galinhada, já ia logo explicando:

- . . . é que tem uma penosa lá qui tá um inferno pra entrá na horta, sô!

E lá íamos nós ajudar o companheiro a exterminar a maldita destruidora de horta. Enquanto ele, de avental e tudo, preparava a meliante, xingando e excomungando quem quer que fosse que entrasse na cozinha ou arriscasse algum palpite, a gente batia um truco barulhento e agitado na varanda – murros na mesa, ginásticas mirabolantes nos caibros, etc. e tal – molhando a garganta com uma cachacinha da roça ou uma cervejinha gelada, e rebatendo com um torresminho ou u’a mandioquinha enxuta e salgadinha. Era muito sacrifício, mas, afinal, o Quim merecia: companheirão!

E assim levávamos aquela vidinha difícil, sempre nos condoendo das lamúrias e explicações resignadas do amigo:

- Cê sabe qu’eu gosto de dormir lá no sítio, mas tem uma diabinha que faz barulho demais de manhã. . .

- . . . é, moço, tá danada pra “faiá”. Bota um dia, “faia” quatro, cinco. . .

- Tá muito gorda! Acaba tendo um infarte! Antes qu’ela morra. . .

- . . . não, é que a miserave não dá sossego pras qui tão botano. . .

- Os ovos da sem-vergonha goram todos, sô! Acho qui tá com algum problema ginecológico!

- . . . deu pra cantar como galo. Onde já se viu? Só matano!. . .

- . . . vive debaixo dos galos, moço! Pra mim é ninfomaníaca!

- . . .não canta depois qui bota. Já viu galinha muda?

-. . . apronta o maior escarcéu quando bota. Isso é masoquismo!

- Coincidência? Já observei muitas vêzes. Ontem mesmo eu vi, com esses olhos que a terra há de comer: subiu pro puleiro lá pela dez e deixou cair. . . tá botano pra quebrar!

De justificativa em justificativa, fomos dizimando o rebanho do Quim. Jamais tive notícia de um plantel avícola tão complicado. Parecia até “coisa feita”.

Uma tarde de sexta-feira – dia mais gostoso para o bancário, diga-se a verdade! – toca o telefone. É o Quim. Imaginei mil e uma anomalias daquelas que costumavam atacar as penosas do meu amigo – principalmente às sextas-feiras - e não atinei pra nenhuma. Já foram tantas: a ninfomania, a mudez, o lesbianismo, o masoquismo, a obesidade. . .

- . . . mas qual é o problema desta vez, Quim? Defeito grave?

- Gravíssimo!. . . Um fenômeno. . . um fenômeno! Uma catástrofe apocalíptica abateu sobre a coitada! A infeliz parou de botar, o que parece natural, né? Mas acontece, meu chapa, que a diaba tá parindo cada pintão!. . .

E lá fomos nós ajudar o Quim a se livrar daquela aberração. . .

Alírio Silva
Enviado por Alírio Silva em 26/02/2010
Código do texto: T2108525