Saudades
 
Eh..., do jeito que as coisas andam, só teria  que sentir saudades.
Saudade daquele macarrão feito à mão com semolina, todo banhado com as cores do pôr-do-sol dos meses de outono.
Daquele calor que ora me aquecia de um lado, ora de outro.
Era uma festa a minha volta. Bigodões que se lambuzavam, boquinhas que se sujavam e olhares que se cruzavam, e eu, assistindo a tudo.
Vi muitas mulheres lavando louças e panelas nas tarde de domingo.
Ouvi muitos senhores confidenciando-se segredos.
Até cartas e bingo já jogaram sobre mim.
Os tempos mudaram.
Assisto agora os maridos quarentões lavando louças e panelas.
Vejo suas belas esposas com unhas lindas, cabelos penteados e corpos esculturais, fruto de academias e da competição entre elas em seus perfumados escritórios de trabalho.
Assisto agora as antigas boquinhas sujas de molho, hoje marmanjos de rabichos e brinquinhos, tatuagem pelo corpo, escolherem qual “gatinha” irão beijar.
Assisto as outrora meninas hoje deusas da beleza, indecisas qual “gato escolher”.
Até lágrimas já caíram sobre mim, pois é na cozinha que elas aparecem primeiro.
Das borbulhas de champagne que me davam arrepios.
Das espumas das cervejas geladinhas que vazava dos copos.
Sinto saudades dos vasos de flores que enalteciam a minha beleza.
Dos assados então, quase me desfaço em saudades, pois me passavam um calorzinho inesquecível.
Sinto saudades dos tempos em fui bordada. Dos tempos que fui de linho puro.
 Não compreendo, pois não me foi permitido compreender.
Afinal, sou apenas uma feliz toalha de mesa, escolhida numa liquidação de verão.