Papai |Noel diferente

PAPAI NOEL DIFERENTE

Dezembro é mês de balanço. Somas, contas, relações gigantescas, estoques infindáveis, inventários, estabelecimento de metas.

Balanço material. Geralmente com resultado positivo. Se não, providências imediatas são adotadas. Drásticas, às vezes. Talvez mais profícuo do que o espiritual, em que, na maioria das vezes, não se obtém resultados satisfatórios. Ou esperados, chegando, não raro, a se apresentar negativos. E, quase sempre, incorrigíveis, tendo em vista que é bem menos susceptível às correções.

Mas dezembro é também mês de Natal, quando se comemora o nascimento de Cristo e, paradoxalmente, patenteiam-se as desigualdades.

Sempre achei o Natal uma festa triste. Que me lembre, Papai Noel jamais deixou de me visitar. Não me esqueço de certa vez em que ele me trouxe um naviozinho com velas, bandeiras, mastros e chaminé. Quando o avistei sobre os meus sapatinhos sujos de lama, imaginei-o logo singrando a enxurrada vermelha da rua sem calçamento. Corri a mostrá-lo a um meu amigo de folguedos que, surpreendentemente, me pareceu magoado e abatido: ganhara apenas uma colherinha de chá, daquelas de alumínio. Não entendi. Nem deixei de continuar alegre. Eu tinha apenas seis anos de idade, mas posso ter um milênio que aquela colherinha de alumínio, contemplada com aqueles olhos tristonhos, não me sai da memória. E o pior é que hoje eu entendo!. . .

Alguns anos mais tarde vi um homem comprar um sabonete, dividi-lo em dois pedaços e embrulhar como presente de natal para seus dois filhos. Regredi mentalmente aos meus seis anos e avistei um naviozinho e uma colherinha de alumínio. . .

Tenho a impressão de que Papai Noel não é bem esse que anda por aí, alegre e sorridente, com um saco às costas, cheio de presentes caros e coloridos. Não pode ser, diante de fatos como aquele. Mudaram-no. Transformaram-no em anúncio comercial. Fizeram-lhe uma lavagem cerebral e incutiram-lhe um punhado de mentiras. Ensinaram-lhe os segredos da arte cênica e obrigam-no a dar risadas graves, repletas de cinismo. E como se não bastasse, arranjaram-lhe uma esposa: Mamãe-Noel! Daqui a pouco teremos Filho, Titio, Vovô e até Amigo-Noel.

É o fim de uma tradição. Aliás, às vezes penso que as tradições “já eram”, como a juventude de hoje costuma dizer. . .

Meu Papai-Noel é diferente. Tem ar tristonho, abatido. Seu sorriso, quando surge, é tímido e passageiro. E é sozinho. Solteiro ou viúvo, não sei. Nunca me interessou seu estado civil. E vive se martirizando interiormente por não poder visitar todos os lares. Não, não é culpado, ele bem sabe, mas gostaria de poder fazê-lo, sabemos que sim.

Meu Papai Noel distribui ricos presentes, mas, contrariado e com lágrimas nos olhos pelas parcialidades a que é forçado cometer, distribui também colherinhas de alumínio e sabonetes partidos. . .

alirio@uai.com.br

Alírio Silva
Enviado por Alírio Silva em 28/02/2010
Código do texto: T2112672