O Pessimista

Seu Tonaco era proprietário de um pessimismo à toda prova. Sempre que eu ia ao sítio, na sexta-feira à noite, corria a abrir a porteira, com seu jeitão desconfiado.

- Tudo bem, Seu Tonaco?

-Ma’o’meno... Eu já sabia que estava tudo bem. Bem, bem, mesmo, nunca dizia que estava.

- E o leite, Seu Tonaco?. . .

- Quebrano. Braquiara rapada. . . Vento danado. . .

- E a porca pelada, pariu?

- Qui nada! Parece até qui foi inxertada de jumento!

E assim ia desfiando peripécias e vaticínios agourentos a cada pergunta que eu fazia. Já me acostumara com aquela lenga-lenga. Achava até graça, às vezes.

Um dia, plena seca de julho ou agosto, caí na besteira

de perguntar pelo rio. Olhou-me de lado, fez um muxoxo de desdém e:

- O São Francisco? Secô!. . .

Aí já era demais. Repreendi o velho e deitei falação sobre o seu pessimismo. Devia ter mais esperança, ser mais otimista, ver as coisas com melhores olhos. . .Mas não adiantava. Era incorrigível. Seu pessimismo chegava às raias do sadomasoquismo. Parecia sentir-se satisfeito com as tragédias, os infortúnios. Seus olhos adquiriam um certo brilho quando tinha uma notícia realmente ruim: um bezerro que morreu, uma enchente que ameaçava a colheita de feijão ou uma geada que queimava as pastagens. . .

Tirante o negativismo, entretanto, Seu Tonaco era gente boa. Trabalhador, honesto, zeloso, caladão e isento de vícios. Gostava de um aperitivozinho e um cigarro de palha, nada mais. Caseiro, raramente ia à cidade. Só pra cortar cabelo e assistir à missa, na festa de Santa Rosa de Lima.

Certa vez eu quis saber por que não se casara, constituíra família. . . Olhou-me desconfiado, voltou o olhar pro horizonte do outro lado do rio, chupou o palheiro já quase queimando os lábios e, soltando uma baforada de fumaça esbranquiçada, falou reticente:

- Medo, patrão, medo. . . muié é bicho da cabeça manêra. . . medo de chifre, de inganação. Fío, tenh’um, home já feito. . .’tra ban’do rio. . . mais muié, sei não. . .diz qui num tem muié direita! Depend’o lado de chegá. . . qui nem animal. . .

- Mas o senhor não está querendo dizer que toda mulher. . .

- Ara, moço, tá doido? Afora a Patroa, invidente...

De outra feita apareceu uma peste nas galinhas. Andavam tristes, jururus, pouco apetite. Quando cheguei Seu Tonaco já havia tomado as providências, botando casca de barbatimão na água. Mesmo assim levei uns remédios e entreguei ao caseiro, com as recomendações e posologia adequadas. Rece-beu tudo com indiferença, deixando transparecer uma certa incredulidade:

- É, vam’vê. . .

Semana seguinte lá estava eu novamente, com as mesmas indagações, as perguntas de sempre. . .

- E as galinhas, Seu Tonaco?

- Miorano. . .

Confesso que fiquei espantado. Pela primeira vez eu ouvia daquele derrotista uma resposta animadora. Será que, até que enfim, estava mudando? Meus sermões teriam conseguido neutralizar o azedume daquele temperamento? Teci mil e um elogios. Parabenizei sua mudança positiva, ainda que tardia, etcetera e tal. . .

Ouviu tudo calado, como sempre fazia, bateu a unha do polegar na cinza do cigarro, raspou manhosamente a garganta, e arrematou:

- É. . .é’s sempre tem u’a miora uns dia antes de morrê. . .

Alírio Silva
Enviado por Alírio Silva em 28/02/2010
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