Zé do Nelso

Z É DO NELSO

Alírio Silva

Zé do Nelso era um chato, com “che” maiúsculo. Dizia-se no lugarejo, inclu-sive, que carrapato que subia nele descia coçando. E feio. Como era feio, o infeliz! Sua feiúra poderia ser comparada à . . . digamos. . .poxa! tá difícil! Nunca fui mui-to bom em comparações. . . Mas o Brocotó, exímio barbeiro do arraial – aliás foi o introdutor do corte “príncipe Danilo”na região – costumava dizer que Zé do Nel-so . . . “não parecia com bicho nenhum!”. . .

Ainda bem que não tinha o menor complexo. Metido até a namorador, o danadinho! Conta-se até que certa vez foi acometido de uma apaixonite aguda pela Zefa, filha do Sô Chico da Venda. A Zefa não era lá nenhuma beldade, mas “. . .pro peixe que era, o molho tava até passando”, segundo o Brocotó.

Não arredava pé da venda do Sô Chico. E a coisa quase termina em tragédia de suicídio. Não do Zé, amante da vida, mas da moça, quando soube do amor desvairado! E o Zé acabou esquecendo o romance unilateral. Sua paixão continuou sendo mesmo tumbar um joguinho de truco. Farejava de longe um carteado. E era um tumba autêntico, desses que olham as cartas de todos os parceiros, balan-çam a cabeça, grungunam, esticam o pescoço, fazem muxoxo. Um saco!. . .

Num sábado à noite sentiu cheiro de zape lá pras bandas do Nego do Baldo e se mandou. Mal adentrou na varanda, a lamúria foi geral:

- Viiiige! Exclamou o Chiquito Rola Triste.

- Ai, ai, ai. . . sussurrou o Zico do Ofrásio.

- Tava bão! Gemeu o Chico do Zé Chico.

Só o Pedro Aroeira não se manifestou, embarafustado que estava com uma espadilha má do Chiquito. Mas o Zé já se acostumara e não dava a mínima para as reclamações. Puxou tamborete, se ajeitou, não sem, antes, dar uma olhada geral e interesseira nas cartas de todos, exprimindo as mais diversas reações.

Pinga da boa, mandioca frita exalando aquele cheirinho gostoso de gordura de porco, vindo da cozinha de Dona Pituca, pra quê melhor? Se melhorasse, virava luxo. . . E o malandro do Zé se repimpou. “Que nem pinto na bosta”, reparou o Pedro Aroeira, chupando o buraco do dente, na tentativa de aspirar um naco de mandioca frita.

Lá pelas tantas, já noite alta, oito ou dez cachacinhas depois, o Zé foi amolecendo, amolecendo, deu de “pescar umas traíras” no tamborete e acabou encostando na parede de adobe, ferrado no sono. Foi aí que a turma cismou de tirar uma forra com o infeliz. Apagaram o lampião e aprontaram a maior algazarra da paróquia:

- Truco, ladrão! Berrou o Pedro Aroeira, metendo o maozão na mesa.

- Seis pau, ladrão de mio! Replicou o Chiquito Rola Triste, brabo qui nem um porco-espinho.

- Tráis, cumpade Pêdo. . . bax’o gáio qu’eu panho a fruita. . .

- Vem bebê o margoso aqui, Seu Pêdo Vinhático, linhás, Aruêra!.

Foi uma latomia danada. Zé do Nelso estremunha, esfrega os olhos pirracentos de sono e, surpreso com aquele berreiro naquele breu:

- Uai, gente, cê’s tá jugano no iscuro?

- Qu’iscuro o quê, sua égua marrada pro rabo. Indoidô? Mat’esse treis, cumpade Zico. Mata e vai durmi. . . quem fa’primêra va’ missa!. . .

- Vô dá um tiro num mon’de merda, mais toma lá. . . e bateu forte a mão espalmada no tampo da mesa já cambeta.

Não foi fácil acalmar o Zé, que, só depois do lampião aceso, parou de chorar e reclamar que tinha ficado cego. . .

Foi um tendepá danado!

alirio@uai.com

Alírio Silva
Enviado por Alírio Silva em 01/03/2010
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