FESTA DE ANIVERSÁRIO

Li um texto enviado por um leitor. O articulista fazia uma comparação das festas de aniversários de hoje e as de antigamente. Tenho certeza que o cronista da Veja nasceu e viveu na cidade grande, pois os meus e tantos outros aniversários de crianças da minha geração comemorados nas fazendas nada tinham a ver com a abundância de guloseimas às quais ele se referiu.

Comemorava-se sim o dia do aniversário desde o do meu avô até o do menor indivíduo participante daquele grupo maravilhoso da família, fossem parentes ou não. As crianças tinham prioridade nessas comemorações, não só do seu aniversário, das dos outros e até no de Cristo. Em qualquer festividade em que se dava uma guaribada no rango a primeira mesa de refeições era destinada à criançada. Marmanjo esperava. Eles também já foram tratados daquela forma e agora têm de dar a vez para os pequenos.

A coisa era muito simples. A festa resumia-se no ajantarado em que não podia faltar frango assado e recheado de farofa bem úmida; frango ensopado com batatas (não era sempre que se dispunha de tamanha iguaria: batata inglesa). Frangos anteriormente condenados a morrerem no dia em que alguém dali nascera.

O mundo é assim! Se eu pensasse na época desta maneira não comeria o meu pedaço preferido ou nenhum outro. Para o dono da festa não havia escolha: tinha o direito de comer a moela e a aposta, um pedaço de carne do peito do frango que, em reuniões normais, eram os preferidos do vovô e ele sempre os levava fácil, fácil. Ninguém tascava. Minha avó não era uma esposa submissa, mas tinha uma devoção – exagerada, sei – pelo pai dos seus filhos.

Quando a gente sentava à mesa e ia dentro do seu prato a moela e a aposta, encarnavam aquele poder e toda aquela mística do chefe maior, apesar dele nunca se ter valido dessa vaidade.

Completava o cardápio o macarrão iniciado – acho – no dia anterior, com vovó, mamãe e Nadir amassando a farinha de trigo, ovos e não sei mais o que, esparramando aquela massa a poder do muque em cima do rolo de madeira já gasto e com fraturas nas pontas de tanto rolar em cima da mesa e despencar no chão. No dia seguinte aquelas enormes bolachas eram enroladas em grandes canudos e fatiadas à faca em tiras fininhas e postas a secar sobre a grande mesa da sala de jantar. As pontas daquela massa nos eram cedidas para fazer a “fritela”: colocavam sobre a chapa quente do fogão e depois de assadas, salpicava por cima açúcar refinado e canela em pó. Delícia disputada por todos e da qual não me recordo mais do sabor.

Depois de cozidos eram colocados em grandes travessas de louça ou de ágate e enfeitados com ovos cozidos fatiados, molhados com caldo e miúdos do frango. Umas lasquinhas mínimas de azeitonas, produto muito caro e difícil de encontrar.

O angu com queijo ralado e colocado em um grande tabuleiro em camadas: angu, queijo ralado, caldo de frango; camada de angu... Assim até se chegar ao bordo. O pernil assado lentamente no forno à lenha e fatiado no momento de servir. Quentinho e cheiroso.

De manhã o aniversariante já estava vestido com sua roupa nova. Ninguém que comemorasse seu aniversário vestia uma roupa já usada. Sapatos também, coisa até que incomodava um pouco porque geralmente provocavam calos. Tínhamos também direito a meio pão com manteiga. Ela era passada rala no interior e também no topo daquele pedaço de pão e era uma alegria ficar lambendo durante um bom tempo aquela manteiguinha amarelada exposta na brancura do pão. Maçã sim, quando podia. O aniversariante tinha direito de ficar com um papel inteiro que embrulhava a fruta para cheirar à vontade. Os demais ganhavam um pedaço. Não podia ser diferente; não havia facilidade na aquisição, não porque éramos paupérrimos a esse ponto.

Havia doces. Aqueles produzidos ali mesmo e não me esqueço das “cocadas” feitas com o miolo do mamoeiro. Um doce de leite, outro de laranja da terra, de mamão ralado ou fatiado, “brovidades” e o pudim, a majestade da mesa de sobremesas, com aquela calda dourada derramando pelos lados. A gente comia e ainda lambia a colher até...

Bolo de aniversário, velinha pra soprar, cantoria de parabéns, ainda mais em estrangeiro... Nunca vi. Não me recordo de bolas coloridas penduradas, pipocas, presentes de quaisquer espécies. Estes somente no Natal. Às vezes rendia uns cortes de tecidos que mamãe sempre transformava em camisas, calças ou vestidos nos aniversários das meninas. Só isso.

Ah! O aniversariante era também o dono da aposta descarnada e depois de seca sobre a chapa do fogão, era escolhido um parceiro pra apostar. Cada um puxava uma perninha daquele osso em sentido contrário até se partir. Ninguém ganhava ou perdia nada, somente o feliz sortudo, o que ficasse com o pedaço maior, guardaria aqueles dois pedacinhos de ossos na mão até encontrar um cachorro que nada apostou e tudo ganhou.

Era assim! Ou foi assim? De qualquer maneira não voltará mais, mas ainda está vivinho na minha memória. Não tem importância. Nem que fosse por apenas um dia em cada ciclo completo da minha vidinha de menino eu me sentiria importante por ter nascido. Não tinha ainda consciência de outras tantas coisas importantes. Para mim era aquele momento. Eu tinha o privilégio de comer a moela e a aposta do frango e me sentia respeitado até pelo meu avô, cedendo-me seus pedaços exclusivos.

O tempora! O mores!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 04/03/2010
Código do texto: T2120233