Se correr o bicho pega. . .
me dei muito bem com o Leão do Imposto de Renda. É que, na qua-lidade de assalariado, forneço-lhe mensalmente a raçãozinha durante o ano todo. No ano seguinte, ao examinar minha Declaração de Renda (única declaração que ainda ouso fazer) ele verifica que cometeu alguns excessos na alimentação exigida e me devolve – honesto que é – alguns trocados, com correção monetária e tudo. E assim vamos nos entendendo. Ou melhor, íamos, pois no último exercício, não sei se por ele ter acordado meio tarde ou porque o cutuquei muito cedo, nos desen-tendemos.
Em vez de me devolver os minguados trocados, com correção monetária e tudo, urrou forte – afinal, bem alimentado que foi, podia urrar forte mesmo – e e-xigiu mais! Esta não! pensei cá com minhas esperadas e já compromissadas oerre-teenes, a essa altura cheirando a sonho de pobre.
Armei-me de uma surrada pasta abarrotada de papéis e bati firme ao encon-tro do Rei dos Animais, hoje reinando n’outros compáscuos bem mais promissores.
Em lá chegando,fui atendido – e muito bem atendido, diga-se de passagem – por uma simpática, e delicada, e competente, e persuasiva senhora com ares de psicóloga.
Esclarecido o motivo da minha presença ali, armado de papéis de todos os calibres, ela chamou o contínuo e mandou que buscasse o meu dossiê lá na sala tal. E veio o dossiê. A “psicóloga” foi folheando-o lentamente e argumentando. . .
- O senhor não pode deduzir esses juros do SFH. Não mora no imóvel. . .por isso foi glosado. .
- Como, se paguei juros. . .
- Mas não é casa própria. Não mora nela. . . pra ser própria tem que morar. .
Tentei reagir, alegando que aquilo não constava do Manual.
- Mas tá na Legislação. Quer ver?
Quis. E vi. Vi e não venci. E a Inquisição continuou:
- Outra coisa: o senhor tem três imóveis e paga aluguel. . .onde estão os alu-guéis que recebe? Não declarou. . .
Argumentei que não estavam alugados, que em todos moravam parentes, etc. e tal, mas não adiantou. Foi categórica:
- Bem, nesse caso o senhor tem que “ofertar” (vejam só o altruísmo do termo!) à Receita, dez por cento de seus valores venais.
- Isso também não tá no Manual. . . arrisquei.
- Tá na Legislação! Quer ver?
Não quis. Preferi me dar por derrotado e pedir as contas, antes que as coi-sas piorassem. Lembrei-me, inclusive, daquele ditado fatídico, mas verídico: “merda, quanto mais mexe. . .”
A delicada atendente pediu “um momento, por favor” e foi elaborar a guia para eu pagar no Banco, sumindo atrás de um daqueles biombos que deixam escapar somente os sons das conversas, normalmente sobre a novela das oito, aquela que começa às nove.
Quinze ou vinte minutos depois, consegui me apossar da boleta redentora, que me poria quites com minhas obrigações de cidadão. Ao examiná-la, entretanto, notei que o valor aumentara uns cinqüenta por cento. Besta que sou, decidi arriscar uma última reclamação:
- Mas se vou pagar à vista, como é que aumentou o valor?
E ela, convincentemente, tripudiou sobre a minha moribunda argumentação:
- É que é “à vista” em abril, e nós estamos em novembro. . .
Peguei, satisfeito (afinal eu estava era “ofertando”), o irretocável papel, agradeci e saí feliz da vida!
Mal andei uns trinta metros da Repartição, fui abordado por um sujeito simpático, amistoso e sorridente, que me apontou uma bereta novinha em folha e explicou, falando sério:
- É um assalto!. . .
E precisava falar?
Eu ainda não me refizera do susto quando surgiu outro elemento, também armado, que bronqueou com o primeiro:
- Esse não, seu besta! Não vê qu’ele tá saindo da Receita?
E deram no pé. Os dois.
alirio@uai.com.br