O perigo da Metáfora

- Use metáforas, use metáforas, meu filho! É como se fosse uma maquiagem, embeleza muito um texto ou uma conversa. O velho psiquiatra gostava de seguir esse conselho de seu antigo professor de Português. Quando aquele advogado criminalista seu amigo , o Dr. Vandinho, que adorava surpreender o Promotor de Justiça em suas atuações no Tribunal do Júri, lhe suplicava por uma explicação mais profunda sobre o que acontecia com o cérebro de uma pessoa tida como “maluca”, ele dizia: - meu amigo, não vai dar para explicar isso cientificamente, dissertar sobre sistema límbico, gânglios basais, sistema cíngulo, córtex pré-frontal, isto tudo é muito complicado. Prefiro explicar por metáfora e pra que você entenda, definitivamente, imagine uma casa com o telhado perfeito. A proteção será total, não cairá água da chuva dentro da casa, não haverá goteiras. Essa casa com o telhado perfeito corresponde a uma pessoa normal, que não apresenta problemas de comportamento, certo? – Certo – responde o Dr. Vandinho. – Mas existe essa pessoa perfeita?- Não – replica o psiquiatra. Dei este exemplo de perfeição, que não existe na natureza humana, para entrar nos pormenores. É aí que vamos encontrar falta de telhas, ripas tortas, telhas mal encaixadas, quebradas, rachaduras, infiltrações, porcas frouxas, como se dizia antigamente, redundando em comportamentos bizarros como esquisitices, manias, delírios, impulsos anômalos, crises súbitas, uma infinidade de sintomas que são descritos no manual do psiquiatra, cujo número de sintomas, aliás, cada vez aumenta mais, o manual já está virando quase um catálogo telefônico. Com o progresso tanto aumenta a criminalidade, como surgem novas doenças neurológicas. O criminalista ouvia tudo atentamente, pensando nas pessoas que ele conhecia e até se auto-analisando. – Tudo bem, doutor, já estou percebendo que então ninguém é normal nesta vida. Mas e aquele que nós chamamos de “louco de pedra”, “ doidinho da Silva”, poderíamos dizer que é um cara sem telhado? – Metaforicamente, meu advogado, é isso mesmo, o louco total, ou já nasceu sem telhado ou foi perdendo aos poucos suas telhas. Já, no exemplo oposto, vamos encontrar numerosas pessoas com o telhado que parece perfeito, mas examinando atentamente vamos encontrar pequeninas goteiras, que redundam também em problemas, e que retrata a grande maioria das pessoas no mundo. Eu mesmo, confesso, posso lhe garantir que devo ter quatro telhas de menos, como bom psiquiatra que sou. O advogado, satisfeito com a notável explicação, embora simplória, mas que qualquer analfabeto entende, quando se despedia do psiquiatra, foi pego pelo braço e ouviu um lamento do doutor: - Amigo Vandinho, problema pior que a falta de telha é a burrice, isto sim, pode acabar com a raça humana. Imagine que estou com um cliente enviado por um psicólogo novato, recém-saído da Faculdade, com o diagnóstico de insegurança, com dependência patológica. Me pede um laudo psiquiátrico. Não encontrei nada, o cara é perfeitamente normal, a não ser uma ou outra “goteirinha”. Veja aí o perigo de uma metáfora mal entendida. Pedi a evidência dessa insegurança ao psicólogo, que me disse que o cliente foi ao seu consultório de guarda-chuva, durante uma semana inteira. Esta era a prova. Na literatura da psicologia existe de fato a metáfora do guarda-chuva. Foi usado como exemplo o guarda-chuva, mas poderia ter sido uma bengala, um cabo de vassoura, um talismã, ou qualquer outro objeto. É aquela pessoa que está sempre segurando um guarda-chuva, no exemplo metafórico, como conforto para sua insegurança. É um apoio. Acontece que o cliente do psicólogo novato usou o guarda-chuva em uma semana de chuva torrencial que se abateu sobre a cidade. Ora, Vandinho, somos amigos de infância e não posso lhe enganar, você sabe que tenho mesmo umas quatro telhas de menos, mas burro nunca fui. Deu pra entender? Tá ligado?