Cena do cotidiano

Cena do cotidiano

Acordei cedo e fiquei pensando naquela menina que, sentada no chão da praça, pedia esmolas. Não sei por que, seu rosto me lembrava alguém tão distante! Ela trazia na face as marcas do sofrimento. Cabelos louros, despenteados, olhos profundos e eloqüentes que pareciam falar, porque da sua boca apenas se ouvia um sussurro, emitido com dificuldade. Tive pena dela. Coloquei na pequena caixa de papelão alguns trocados. Continuei minha trajetória, mas aquela cena não me saía da cabeça. Dali, iria para onde a pobre menina? Convivia com alguém? Bem que eu poderia ter ficado mais naquela praça... Observaria com quem a menina estava. Mas não. A minha pressa e a falta de solidariedade, não me deixaram ficar mais um pouco naquele lugar, aproximar-me da criança e conversar com ela. Conformava-me, pensando: Mas o que iria eu, uma senhora com tantos afazeres em casa, conversar com uma criança que pedia esmolas? Que assunto teria para lhe abordar?

Mas a vida é assim mesmo. Nós perdemos a oportunidade de conhecer melhor os problemas do outro, porque só pensamos em nós mesmos. Quanta coisa poderia fazer naquela hora! Externar o meu afeto, através de palavras carinhosas, isso não é perder tempo. Mas, naquela hora achei que era.

Agora, penso arrependida: Quanto iria aprender com aquela menina! Poderia lhe dar em troca muito de mim, algo que não fosse simplesmente a materialidade daquelas moedas que pus, num gesto de caridade, na sua caixinha. Uma palavra de carinho, o suave toque dos meus dedos em seus cabelos cacheados, o meu olhar de ternura a procurar o seu olhar de busca... Ah! Tudo isso seria tão bom para aquela criança que aos seis ou sete anos saíra de casa, talvez, sem receber uma palavra de carinho nem o toque de dedos nos cabelos nem o olhar de ternura de uma mãe... e talvez nem casa tivesse para voltar...

Depois de relembrar tudo isso, me ponho a pensar que um simples gesto de parar, dizer algumas palavras, passar a mão pelos cabelos, poderia encher de esperança essa pobre menina!

Na sua pobreza material, não reparava na pobreza de espírito em que vivia. Estava ali solitária. E a rua fervilhava de gente que ia e vinha. Todos passavam sem dar conta de que ali, sentada no chão, havia uma criança tão só, no meio da multidão, porque a vida lhe negara o que lhe era de direito: a dignidade humana.

Eu, sim, é que perdera a chance de dar um pouco de mim a alguém tão carente.