Lembranças pescadoras de almas

Tem coisas que a gente nunca esquece. O primeiro beijo, o primeiro amor... a primeira vez.

Bom, com certeza, os sabores e os cheiros são poderosos componentes de resgate de memórias perdidas. Quem não se lembra dos sabores da casa da vovó ou do cheiro de chuva. Duvido que diante desses estímulos não façamos uma viagem no tempo, ao tempo de nossas infâncias, por exemplo.

Nessa viagem, por entre oceanos de delicias e estrelas que mapeiam o céu das lembranças, quem é que esquece a primeira namoradinha. Ahhhh... Ritinha ... “por onde andas agora?” ... Quantas e quantas vezes eu não via hora de chegar da escola só para poder ficar brincando com Ritinha.

Tudo era tão delicioso. Como era bom ir à Praia da Avenida, na boquinha da noite, onde o dia inutilmente tentava se agarrar aos tênues raios solares, só para ver se conseguia tentar resistir à sedução do brilho da luz das estrelas da noite de Maceió.

Lembro que gostávamos de ficar ali contemplando estrelas, vendo as mais brilhantes, as mais pulsantes, as mais próximas e as mais distantes. Às vezes ficávamos contando-as e com medo atroz de estar infringindo regras estabelecidas pelos pais, já que contar estrelas, segundo eles, dá berrugas nos dedos. Perguntávamos um para outro: será que as berrugas apareceram mesmo e, por conta disso, seremos descobertos?

E as danças de ciranda, as brincadeiras de rua pêra, uva, maçã ou salada mista! Bons tempos eram aqueles, onde namorávamos pelo gosto puro do namoro, não pelo prazer do corpo que o sexo proporciona, mas sim pelo prazer de compartilharmos nossas almas. Ah... Tempo, por que passastes? E Ritinha com a tez de anjo e olhos de cristal, por onde será que andas?

O “Tempo” não muda nunca, mas nós mudamos com “ele” o tempo todo. Nossos sentimentos vão se tornando mais profundos, mais densos e mais complexos. A complexidade e o consequente grau de dificuldade fazem com que a componente de simplicidade esvaia-se do sentimento, assim, vamos cada vez mais racionalizando nossos sentimentos, funcionalizando o Amor, industrializando nossas alegrias e, sobretudo, arrancando de forma sumária nossa espontaneidade ante a vida. Nossos almas se acanham e acabam escondendo-se nas profundezas de nossos corações. Que são lugares que, devido o nosso estilo de vida objetivo e racionalizado, dificilmente visitamos. Assim, pouco a pouco vamos perdendo aquilo que temos de mais sutil, nossas almas.

Bem-dito sejam, então, o paladar e o olfato. Porque só eles conseguem resgatar memórias que trazem com elas, novamente, nossas almas. Com elas passamos a ter de novo percepções de níveis de consciência que acreditávamos que já não existiam mais, uma vez que cada um de nossos centros de consciência está diretamente ligado a um determinado nível, é possível em consequência disso comunicar-se com o nível de consciência mais sutil. Os sons musicais, os gostos e cheiros são, particularmente, especialista nessa função, pois fazem tão bem esta ponte de ligação com tamanha perfeição.

Essas memórias lúdicas de nossas vidas são como tatuagem que guardam as identidades de quem realmente somos, ou seja, trazem a arte desenhada pela nossas alma no nível de consciência mais sensível, onde o "Eu" verdadeiro se revela a "Si".

Viva, então, o bolo da vovó, o cheiro de chuva e os carinhos de Ritinha! Pois são eles que, com maestria divina, conseguem verdadeiramente nos resgatar de anos e anos de perdição e desencanto .

( Fábio Omena)

Ohhdin
Enviado por Ohhdin em 21/03/2010
Reeditado em 21/03/2010
Código do texto: T2150414