Celebridade Póstuma

Em tempos midiáticos, sempre há tempo para tornar-se celebridade. Conforme o adágio popular, antes tarde do que nunca. Certa cidade interiorana do Rio Grande do Sul, adotando um ritual singular, encontrou uma maneira das mais democráticas para tirar seus concidadãos do anonimato, se não todos, a grande maioria. Essa forma incomum, porém, muito eficaz, torna o cidadão, a cidadã conhecidos pela maioria da população, da noite para o dia.

O dia inédito apesar de constar do calendário universal, ninguém pode agendá-lo com antecipação, salvo se tomar uma medida extrema. Por certo, cada um e cada uma moradora dessa cidade, terão o dia de tornar-se conhecido. Nesse dia, ainda que jamais tenha tido qualquer aspiração por campanhas publicitárias ou pelo meio político, indistintamente, nesse dia de glória, a avenida será bordada com vários cartazes sobre a sua pessoa. E, apesar de não se tratar de uma noite de autógrafos, várias vezes forma-se fila para ler o seu cartaz. Afinal, sempre aparece algum curioso ou bem intencionado, que deseja contemplar o brilho desse instante mágico, dos outros obviamente, pois independente de tratar-se de um sujeito amável, ou não, o certo é que desse dia em diante, desde o convite, ele passa a ser um ente muito querido...

O cartaz-convite impresso, um convite coletivo, dirigido a toda a população, contém os dados pessoais do ilustre cidadão ou cidadã, sua identificação familiar e outras informações sobre o seu dia de celebridade. Tais convites-panfletos, são afixados em espaço próprio, na parede externa dos prédios comerciais, na avenida principal e, em lugares de maior circulação de pessoas, como informe de utilidade pública. Como hoje em dia, do nascer ao morrer, tudo é comércio, a competição entre as instituições responsáveis pela organização do referido dia ‘D’, acirrou-se, assim como a criatividade na incrementação dos referidos panfletos. Atualmente, os mais sofisticados, apresentam a foto da referida personalidade, preferencialmente, em cores. Como uma coisa puxa outra, também tornou-se comum e corriqueiro, ao se tirar fotos entre amigos, brincar caso pretenda-se utilizar para o referido dia ‘D’, sugerindo-se um bom trabalho de fotoshop.

No entanto, ao final da tarde ao realizar-se a costumeira caminhada pela avenida, fica-se apreensivo na expectativa do fotolog da celebridade a ser encontrado. E, na certeza de que nesse dia, não se trata do seu, rapidamente, faz-se um pensamento positivo, para que também não seja de um familiar ou amigo querido, afinal e, infelizmente, o célebre homenageado será o único que não poderá curtir o seu momento-fama.

Penso, porém, que com fama ou no mais profundo anonimato, somos todos iguais, ao menos algo me soa uniforme nesse momento, a certeza de que há uma espécie de drama fantasmagórico, que permanece a rondar nosso inconsciente coletivo a respeito desse misterioso e inevitável dia 'D'.

Gelci Agne
Enviado por Gelci Agne em 23/03/2010
Reeditado em 04/06/2010
Código do texto: T2153918