Anestesia

A dermatologista diz:

- Vai doer um pouco, não se mexe e não bate em mim....

Eu penso que se vai doer pouco não vou me mexer e nem bater nela, é óbvio....

Nessa hora ela diz mais uma vez:

- Eu sei que isso é horrível, mas vamos lá, não dura mais de 10 segundos a dor...

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Pensei que a dermatologista estava fazendo um drama para me aplicar uma anestesia no rosto.

- Será que muitas pessoas têm atitudes fora de controle quando deitam nessa maca? Eu tenho controle, não vou fazer nada!

De repente ela larga a seringa e diz:

- Acho que vou testar o aparelho e ver se está funcionando, pois hoje de manhã não estava... Se não estiver funcionando, posso falar palavrão?

- Claro.

Uma luz verde acendia e apagava, acendia e apagava, e eu olhava para a seringa ao meu lado na maca. Ela revisou umas três vezes o aparelho e por fim decidiu me anestesiar. Conversávamos sobre bobagens. A mão dela com aquela agulha se aproximava do meu rosto delicadamente até que a ponta da agulha entrou na minha carne e a anestesia se espalhou pelo meu rosto.

- A anestesia é ácida, ela dói bastante.

Nessa hora, apenas escorriam lágrimas dos meus olhos. Muitas delas. O procedimento deveria começar para a retirada de um sinal. Surpresa! O aparelho havia queimado de vez e eu estava anestesiada. Ela realmente não sabia o que fazer. Eu não queria nada, só um sorvete pra passar aquela sensação de impotência com minha face...

Comecei a perceber como seria nunca mais beijar, nunca mais lamber, nunca mais comer, nunca mais sentir gosto de batom, nunca mais sentir as mordidinhas de outro alguém... a anestesia era horrível, implacável, sombria, fria.

- Vamos fazer um outro procedimento.

Entrei em desespero. Como assim? Como seria outro procedimento. Quando eu viro meu rosto pra ela, uma tesoura enorme e um bisturi estavam diante meus olhos.

- Não se preocupe, você já está anestesiada.

Fechei meu olhos e desejei nunca mais querer anestesia. Entendi que as pessoas que precisam anestesiar sua dor de alguma forma, sentem um certo desespero. Não adianta fazer cirurgia na alma, plástica no casamento, lipoaspiração nas amizades, ou botox pra ter um namorado novo. Essas pessoas passam pela dor de uma anestesia, pela dor da recuperação, da superação.

Dor, dor, amor, amor, dor.... Enquanto meu rosto doía, minhas lágrimas caíam numa maca fria de uma clínica, mas meu coração estava quentinho e aconchegado esperando a morte chegar. Sensação doentia? Nunca senti tanto amor pela morte, nunca senti ela tão amável.. Acho que a morte não dói como uma anestesia.

Quando eu estiver morrendo, por favor, não me anestesiem. Quero sentir a morte como ela é. Nada será pior do que anestesia.