INÉRCIA DE UMA ESCOLA BRASILEIRA

O relato aqui registrado aborda uma situação problema ocorrida num Colégio Estadual da cidade de Feira de Santana/Bahia, nos anos letivos de 2007, 2008 e 2009, respectivamente. Os verdadeiros nomes das pessoas envolvidas foram substituídos por nomes fictícios para preservar as identidades das mesmas.

João Victor tem hoje 16 anos e estará repetindo a 6ª série do ensino fundamental pela quarta vez neste ano letivo de 2010. Devido a sua compleição física e faixa etária, sua matrícula só foi possível no período noturno, explicou a diretora Maria José da Conceição, à Dona Isabel, mãe do nosso jovem estudante. Vamos agora clicar na tecla stop e deixar o João Victor, com mais um ano letivo na 6ª série desta vez no período noturno. Voltamos no tempo, mais precisamente ao ano 2007, quando o João Victor contava com apenas 13 anos de idade e frequentava pela primeira vez a 6ª série.

Desde o seu ingresso no mundo das letras, que o João Victor vem estudando na mesma escola. Isso lhe rendeu um relacionamento muito familiar com os funcionários e professores. O corpo docente conhecia toda a família do João, bem como a sua infância. Era uma família de cinco pessoas incluindo os pais, sendo ele, João, o mais novo dos três irmãos. Todos os professores o consideravam um aluno exemplar. No ano letivo anterior tinha conseguido as melhores médias, sendo aprovado para a 6ª série ainda na terceira unidade. Dificilmente ele faltava às aulas e quando isso acontecia por motivo de doença, ele sempre procurava os assuntos que foram trabalhados enquanto esteve, nos cadernos de seus coleguinhas, tão logo voltasse a freguentar as aulas. Seu jeito sempre alegre cativava os amiguinhos de classe que sempre o incluíam em suas brincadeiras. Sua dedicação pelos estudos e meiguice com os professores e funcionários, fazia dele o aluno preferido de todos.

Em casa João Victor levava uma vida normal e comum para um pré-adolescente de 13 anos, seus dois irmãos mais velhos, Marcus Vinicius e André Luiz, eram para ele seus ídolos. Ele na verdade os adorava. Declarava impaciência em se tornar adulto para poder ser igual a eles. Marcus tinha 19 anos e André 20 anos. Ambos exibiam várias namoradas, desfilavam em carros equipados e barulhentos, usavam roupas maneiras (da moda e de marca), além de bancarem algumas despesas em casa, o que lhes rendiam muitas regalias e autoridades. Definitivamente João Victor não via a hora de também ser sócio desse clube de filhos adoráveis. Como ele várias vezes ouvia a mãe se referir aos seus irmãos.

O que João Victor não sabia e nem se preocupava com isso, pela sua pouca idade, era como os seus irmãos, mesmo sem trabalhar, conseguiam tais ostentações. Ele não fazia ideia, mas estava prestes a descobrir a verdade dos fatos que iriam mudar radicalmente a sua vida. Em uma noite que parecia comum como tantas outras, de repente João Victor viu a sua casa invadida por homens fortemente armados e logo ali, bem perto dele seus dois irmãos serem assassinados por homens, que mais tarde foram identificados como chefes do comércio de distribuição de drogas da localidade. Descobrir que seus irmãos eram traficantes de drogas e que agora estavam mortos foi, para João Victor o fim de seus sonhos, não só mataram seus irmãos. Mataram também a sua inspiração de vida adulta, e agora? Em quem ele iria se imaginar para quando se tornasse adulto? As respostas não vieram, mas as mudanças na vida da família de João Victor e no próprio João foram percebidas por todos da comunidade.

Na escola toda aquela expectativa que ele tinha de estar cursando pela primeira vez a 6ª série, já não lhe importava muito, aliás, não lhe importava nada. A tragédia ocorrida na família do João foi logo espalhada por toda a localidade (além de ter sido notícia nos jornais televisivos em âmbito nacional). Todos da escola perceberam a falta daquele sorriso solto que o João tinha, não apresentava mais interesse em participar das brincadeiras dos colegas, os professores comentavam que ele já não participava das atividades aplicadas em sala de aula, se mostrava muito disperso e hostil. Desapareceu a meiguice, que a muitos professores e funcionários, encantara. Agora já era difícil vê-lo nas aulas e suas ausências nunca eram justificadas. Os resultados das notas naquele primeiro ano na 6ª série foram destroços. Várias foram as vezes em que Dona Isabel e o Sr. Pedro, seus pais, foram convidados a comparecerem na escola por conta de indisciplina do João para com os professores e colegas. A repetência era iminente e se confirmou no final das unidades, até mesmo por ausência nas provas de recuperação.

O João Victor voltou a ser reprovado nos anos seguintes por três vezes na 6ª série, até ser transferido para o turno da noite em 2010. Onde ainda não compareceu a nenhuma aula e já se comentam que o jovem promissor João Victor, está percorrendo os mesmos caminhos dos irmãos. Vamos agora acessar a tecla play e dá seguencia normal aos fatos.

Vamos encontrar o João mais uma vez matriculado na 6ª do ensino fundamental em 2010. Na mesma escola que durante três anos presenciou os fatos que provocaram mudanças devastadoras em sua vida. E a única coisa que a escola fez por João, foi adequar sua compleição física e sua faixa etária para o turno noturno.

Diante dos fatos ocorridos na família do João Victor e dos transtornos causados ao nosso jovem, não era de se esperar que a escola dele adotasse medidas diferenciadas na tentativa de resgatar no João aquele gosto pelos estudos? A escola ciente dos fatos não deveria ter se mobilizado na busca de novas expectativas de vida para o João. Ao invés de ter conservado para ele os mesmos modelos de avaliações a que submetiam os demais alunos? Por três anos seguidos ele foi reprovado na 6ª série e não se tem conhecimento de que qualquer medida especial para o nosso jovem tenha sido aplicada, pela escola. Com certeza os resultados do ano letivo de João Victor para 2010, não se apresenta em nada diferente dos anos anteriores e infelizmente a probabilidade daquele jovem e promissor estudante, ter o meu fim que os seus irmãos são muito evidentes.

Esta realidade vivida por João Victor e tendo como pano de fundo a inércia de instituições de ensino, são muito comum em comunidades onde estas instituições deveriam ter postura, completamente diferente da escola aqui citada. O objetivo deste relato é exatamente de tentar trazer à luz das discussões os novos desafios que a educação brasileira tem para o futuro dos nossos jovens, do contrário as instituições de ensino estará praticando cumplicidade com a (de)formação dos nossos jovens.

Por: Antonio Rodrigks

Feira de Santana, 26/03/2010.

ANTONIO RODRIGKS
Enviado por ANTONIO RODRIGKS em 29/03/2010
Reeditado em 16/06/2023
Código do texto: T2165897
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.