FAZ TEMPO

Faz tempo que não sei o que é torcer de verdade. Torcer com gana, com raiva, com riso, com choro, com rezas, com súplicas, com dor, com sofreguidão. Dar socos no ar junto com o autor de um gol, arremessar o líquido do copo que sem tem à mão ao ar enquanto grita-se gol a plenos pulmões, esmurrar a porta diante de um pênalti perdido. Faz tempo.

Faz tempo que meu time – e será meu? – não tem craques (e o que serão craques?). Faz tempo que não visto sua camisa; faz tempo que não escalo seu onze sem pestanejar; faz tempo que não sei sua classificação; faz tempo que não me irrito com sua apatia; faz tempo que não finjo ser seu goleiro a defender a bola de mentirinha; faz tempo que não o tenho como time de botão, nome a nome exultado. Faz tempo.

Faz tempo desde a última vez que fui a um estádio. Faz tempo desde o último copo de guaraná sorvido junto a um pão com bife. Faz tempo – muito tempo – que não escuto o sorveteiro de voz estridente a se esgoelar: “Coco, manga, chocolaaate”. Faz tempo que não vivo o cheiro do orvalho na grama, o alambrado frio entre meus dedos, o cimento gelado da arquibancada, o apito do árbitro, os fogos, a entrada dos times, as faixas, as bandeiras, os xingamentos, a turma do amendoim... Faz tempo.

Acho que perdi aquilo. “Aquilo” o quê? Não sei o nome. Não sei explicar. Não se explica, na verdade. É algo intangível como o gol solitário contra o Tubarão, naquela tarde de sábado na Vila Olímpica – sempre à tarde, pois lá não havia (nem sei se há) holofotes –, que fica preso apenas à retina. Um gol. O gol. O gol do título. O gol do bicampeonato. Ou será do primeiro campeonato? Nem lembro mais, pois faz tempo.

Naquela tarde invadi o gramado por um vão de tela, arrancado por torcedores ensandecidos pelo título. Naquela tarde, corri até o meio do gramado, parei e olhei 360° em volta. Era o meu Maracanã... com 80 mil lugares a menos, é bem verdade, mas era meu. Meu estádio, meu time, meu gramado, minha torcida, minha vitória. Meu pai ficou na arquibancada com uma cara – se é que isso é possível – de reprovação e aprovação ao mesmo tempo. Afinal de contas, que pai ficaria contente se o filho adolescente invadisse o gramado em meio a uma multidão para comemorar um título? E que pai não ficaria?

Faz tempo que não sinto mais aquilo. Hoje, ainda me encanto com a arte, com o jogo, com a ginga, com as surpresas, com os heróis, com os vilões; porém, a uma distância midiática e por vias subliminares. Hoje, saboreio o futebol, mas não sei mais torcer. Pelo menos não como antes. Não sofro mais nas segundas-feiras após as derrotas. Não dou muita bola para provocações de adversários. A inflação, para mim, por conta disso, não sobe, nem a Bolsa cai.

Agora, apenas contemplo; não torço mais... e faz tempo.