Fantasmas de minha infância

Pela fresta da janela, a luz da lua entrava sorrateiramente e clareava o ambiente.

O vento que soprava e a cortina que balançava, formavam figuras grotescas e ameaçadoras projetando-as nas paredes do pequeno quarto. Com os olhos fixos naquele balé arrepiante permanecia inerte, esperando que alguém abrisse a porta e me tirasse daquele pesadelo. Queria sair, mas o corpo me pesava. Não conseguia nem piscar com medo de que, se me mexesse, aquela figura, ora gorda e sem cabeça, ora magra e sem pernas voasse para cima de mim, garota indefesa e medrosa.Adormecia pedindo a Deus que a noite acabasse logo. Na manhã seguinte olhava tudo, por uma dobra do lençol onde me escondia. A luz do sol invadia o quarto. Nas paredes nem sinal daquelas figuras flutuantes. Tudo estava calmo e iluminado. Era um lindo dia.

Após os cuidados de higiene costumeiros preparava-me para ir ao colégio. Estava no segundo ano do antigo primário. Era uma garota franzina, solitária. Não fazia amigos com muita facilidade. Gostava de estudar e do ambiente escolar. O cheiro do livro e cadernos novos dava-me imenso prazer. Ficava esperando que, naquela noite, os monstros não viessem. Em vão! Rezava e escondia-me embaixo dos lençóis, mas isso não atenuava aquela sensação desagradável. Tinha medo do escuro e suas consequências.

Certa vez minha mãe pediu-me que apanhasse uma roupa que estava no varal, a uma pequena distância da casa. Era noite. Fui obrigada a falar-lhe sobre o receio que tinha de enfrentar a escuridão. Imediatamente ela mostrou-me um lugar qualquer sobre a mesa onde incidia a luz elétrica. Tem alguma coisa aí? Respondi-lhe que não. Depois fechou as mãos em cúpula e colocou-as sobre o espaço observado anteriormente. Pediu-me que olhasse novamente aquele local embaixo de suas mãos, indagando-me sobre o que estava vendo. Disse-lhe que nada... só estava mais escuro do que antes. Então ela disse:- É assim que acontece. O espaço é o mesmo. Nada mudou de lugar.A escuridão nos faz ver coisas que não existem. Nossa imaginação pode até fabricar fantasmas. Com a presença da claridade tudo se dissipa. Você caminha com segurança. Fiquei satisfeita com a explicação comprovada. Daí por diante enfrentei com tranquilidade a escuridão do quintal e as figuras esvoaçantes das paredes. Levantava-me, ligava a luz e via que os monstros sumiram. Hoje me lembro de minha mãe, com orgulho. Só ela mesma poderia ter essa capacidade de fazer a vida menos complicada. Mas isso se foi a tanto tempo. Há outros buracos negros, escuros, obscuros, onde a presença ou ausência de luz não atenua a gravidade do problema. A insegurança é real.

Gostaria muito de que as explicações ainda fossem simples e eficazes, além de verdadeiras. Pude viver um bom tempo com a certeza de que minha mãe era um muro de proteção, pois sabia tudo e tinha convicção do que falava. Passava segurança e tranquilidade. Cresci. Minha mãe soube, inteligentemente, tirar-me o medo daquela época, dando-me a oportunidade de curtir a vida. Se ela não tivesse me libertado do medo do escuro eu teria desperdiçado grande parte da minha infância, com sofrimentos infundados.

Hoje, gostaria que apenas com o ato de acender a luz sumissem todas as calamidades que assolam o mundo. Mas as coisas não são tão simples assim. É preciso que cada um faça a sua parte. Agora é a nossa vez de cuidar de nossa Mãe terra para que ela resista e sobreviva e que o sol que a ilumina consiga afastar todos os fantasmas e monstros que teimam em destruí-la.

estefania
Enviado por estefania em 02/04/2010
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T2173170