As Bonequinhas

Todas as crianças da nossa rua tinham medo de passar na frente da "Casa das Bonequinhas". Assim eram chamadas cinco irmãs que viviam num casarão velho na nossa rua, época da infância. Ali ,naquela família, a tragédia sempre foi uma constante.

Interessante é que depois de muitos anos essa história ainda me acompanha, vez ou outra eu a vejo, ela me intriga. Ficou marcado.

Pois bem, “AS Bonequinhas” é um fato verídico, digno de ser analisado pelos terapeutas de plantão. Vamos a ele.

Viviam sob o mesmo teto cinco irmãs, recordo-me que já eram adultas, suas idades deveriam ser entre trinta e quarenta anos. O destino sabe-se lá o porquê, resolveu torná-las estranhas, muito estranhas, assustadoras mesmo. Diziam lá na nossa cidade que a sorte fez um pacto com elas:-Nunca entrar naquela casa. Somente através dos detalhes poderei passar as tragédias vividas por essas mulheres.

A mais velha depois de anos de namoro, no dia do seu casamento, igreja arrumada, convidados chegando, já toda pronta com seu vestido de noiva, recebe a notícia que o futuro marido havia se matado minutos antes do casório. Isso mesmo! Suicídio.

Imaginem a cabeça da coitada... Com um golpe tão duro desses

enlouqueceu, literalmente . A partir daí, andava vagando pela casa com um cabelo enorme todo branco, sempre solto e despenteada, faltavam-lhe alguns dentes. As raras vezes que a víamos de relance na janela era uma imagem fantasmagórica.

Essa era a que mais me amedontrava...

Depois segue a segunda, de cima para baixo. Namorou durante vinte anos, acreditem. Acompanhei esses encontros amorosos os quais aconteciam diariamente. Ele, já um senhorzinho (assim parecia

para mim), estava sempre vestido de terno, gravata, e um guarda - chuva dependurado no braço, estivesse chovendo ou não. O mais pitoresco, vinte anos sempre chegando às18h e saindo21h, nunca entraram para o lado de dentro do portão, namoravam do lado de fora. Nesse período de tantos anos cresci ,tive namorados, casei, mudei da cidade e eles lá firmes, todas as noites.

Há alguns anos, numa das minhas férias para aquelas bandas, procurei saber deles. Depois do namora ficaram noivos por mais quase 25 anos. Ele acabou falecendo e logo depois foi ela. Como pode? Esse é um caso digno de ir para o livro dos recordes. Não conheço outro igual.

A terceira das bonequinhas sem conseguir namorado vivia sempre vestida como uma viúva daquela época, toda de preto, do vestido até a meia. O cabelo puxado num coque como uma velhinha. Essa, ia de cinco a seis vezes por dia à igreja. Diziam... e eu me lembro bem, que pedia marido aos santos . Parecia uma carpideira infeliz.Olhos sempre tristes, jamais um sorriso.Para espanto de todos, em um belo dia aparece transformada. Tira o luto, veste-se de maneira mais jovial, arruma o cabelo de forma mais descontraída. O susto dos vizinhos foi geral. Enfim, uma delas estava feliz! A maldição tinha passado.

Motivo: Arranjou um belo namorado. Sua ida à igreja já não acontecia como antes e o melhor, desamarrou a cara. Sorria! O moço até que era simpático eu me lembro, pois essa época eu também já estava começando a namorar e os via sempre na frente da casa.

Uma noite um verdadeiro escândalo tomou conta da rua. A gritaria que vinha da casa delas fez com que todos saíssem em suas portas e corressem para saber o acontecido. O talzinho namorado, cujo amor tinha transformado a fera em bela, era casado. Sua mulher descobriu e foi lá tirar satisfações da tal safadeza. A bonequinha coitada, gritava feita louca, segurando um santo Antônio e inconformada por ter sido enganada.Encerrando esse terceiro caso. Ela, muito arrasada, partiu para um convento.

A penúltima; essa realmente era uma pobre alma. Um pouco mais jovem. Convivendo com esse arsenal de problemas cotidianamente e, de certa forma, segurando um rojão por dia, parecia a mais lúcida. Não agüentando mais tanto drama, arrumou sua mala e, sem avisar, tomou o caminho da estrada.

O seu paradeiro ...Ninguém ficou sabendo . Só me lembro do ti, ti,ti, de toda vizinhança. Assunto da cidade: a fuga da bonequinha. Diziam que ela se recusou a sofrer como as outras irmãs e preferiu ser “dama da noite”. Mais de trinta anos depois eu, e minha curiosidade quisemos saber se alguém tinha tido notícia da fujona, mas qual? Ela foi para nunca mais voltar. Sumiu. Sumida! Sempre que eu penso nela meu desejo é que tenha encontrado um

belo príncipe no seu cavalo branco viva feliz para sempre.

Por fim a caçulinha.

Naquela época já com seus trinta anos. Hoje, ainda vive, beirando talvez seus oitenta e tantos. Nem pra titia ficou... Não aconteceram sobrinhos. Vive ainda no velho casarão, agora, mais assustador! Pasmem! Para não gastar energia me contaram que ela vive a luz de velas. Sem televisão,sem geladeira . Será que não tem nenhum radinho de pilhas? Sai raramente, apenas para ir a igreja e fazer compras. Mora sozinha.

Fico imaginando o porquê do apelido As Bonequinhas? Sempre as conheci estranhas e sem nenhum encanto. Alguem da época colocou esse apelido por pura maldade.

Triste destino dessas cinco irmãs. Será que uma bruxa qualquer jogou um feitiço naquela casa? Será a vida as escolheu como exemplo de

infelicidade?

Até hoje quando vou a minha cidade passo sempre pela nossa antiga rua. Tudo está modificado, algumas residências se tornaram comercio;há boutiques, casa de material de construção, livraria, material para computadores e, entre essas tantas mudanças, sobrevive o sombrio casarão todo acabado pelo tempo lá

dentro, a última das Bonequinhas.

sô Ziccardi
Enviado por sô Ziccardi em 10/04/2010
Reeditado em 17/02/2017
Código do texto: T2188306
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