Barretinho e o Tétano

Chamava-se Barretinho. Era uma figura curiosa. Baixinho, mulato de traços finos, magro e ligeiro, rosto anguloso, cultivava um fino e bem definido bigode meio ao estilo de Errol Flynn. De olhar grave, mas proseador interessante, de tudo sabia um pouco, até de futebol. Era mestre em adulterar a pronúncia das palavras tornando a prosa mais viva e engraçada. Muitas vezes fazíamos um grande esforço para não rir dos seus deslizes ortoépicos e os causos corriam soltos, com acurada profusão de detalhes. Assim é que seu time de coração não era o Vasco, mas o Basco; Andrada, o goleiro, virava Andrádis; e o meia-direita Bougleux virava Bucrê.

Barretinho era guarda da prefeitura e parecia orgulhar-se disso. A farda dava-lhe um ar elegante: botas finas e bem lustradas, revólver no coldre, ajustado ao quadril um pouco ancho, mais por efeito da calça meio abombachada, tirinha amarrada à coxa. O olhar firme e arguto, o queixo fino, quase prognata, apontando um pouco acima do horizonte.

Um dia, foi convidado para desvendar um caso misterioso. A senhora reclamava de um furto ocorrido em sua casa, de madrugada. Barretinho a atendeu. Enquanto examinava os aposentos, ouvia o relato do acontecido.

-- Como é possível, seu Barretinho? O sujeito entra, não arromba porta nem janela e rouba as coisas sem deixar rastro ou sinal. Por onde entrou esse ladrão? Por onde?

Barretinho olha pachorrentamente para um lado, depois para outro, enquanto cofia cuidadosamente o bigodinho de filete. Finalmente, depois

de um olhar sherlockiano em direção à cumeeira da casa, sapeca esta pérola, digna de figurar nos ENEMs de hoje:

-- Não tem assibilidade. O ladrão só pode ter entrado pelo tétano!