SÓ VENDO PRA CRER!

Três da tarde. Vou à Maternidade, no centro da cidade. Isabel, filha de antigos vizinhos, teve seu primeiro bebê. Visita assim tem de ser rapidinho. Senão a gente não vai hoje, não vai amanhã e nem depois. Até o dia em que você, vai lépida e feliz pela rua e... Chi, olha quem está lá! Isabel com o filho de dez anos comprando um tênis pra disputar campeonato de futebol. Aí, é hora: “nossa, como tá grande o garotão, hein?”. Bem explicado: “garotão” é porque você não visitou, não levou aquela lembrancinha de imã de geladeira dos ursinhos carinhosos pra casa, portanto não ficou sabendo o nome do garotão...

Posso até ver Isabel e seu sorrisinho ressentido: “pois é, até hoje você nem conhece o Gabriel, né sua ingrata?”. Hum, o “ingrata” doeu. Remorsos pelas amigas inseparáveis que um dia juramos ser! Taí, a gente jura tanta coisa sem pensar, faz pacto de “amizade para sempre” e depois... Mas que culpa temos? O destino descruza nossas vidas, a gente vai se desligando. Quando vê, já era! Bom, pelo menos fiquei sabendo que o nome do garotão é Gabriel. Associo, “Gabriel, o pensador” que é pra não correr o risco de no fim da conversa chamá-lo Rafael, Daniel, Miguel e mais um monte de “el”, que nessas confusões sou imbatível!

Divagações à parte, lá vou eu à maternidade. Marcho firme e resoluta antes que todas essas terríveis ameaças virem verdade. Peço informações na recepção. Apartamento 304. Retiro da bolsa o presente que comprei: um agasalho azul. Sei que o bebê é um menino, porque a avó, corujíssima da silva, me contou ao telefone. Espero que Isabel goste. Era chata com essas coisas de roupa! E nesse caso o presente é para a mãe. A criança não sabe nem o que é o mundo! Vai saber o que é Lilica Ripilica, Tigor ou coisa que os valha? Só mesmo muita foto pra que um dia o garotão se gabe de já ter chegado ao mundo arrasando em grife...

Pronto! Olho a plaquinha: 304, o apartamento. Antes que eu bata, a porta em frente se abre. Surpresa! Quem vejo? Valderez, amiga dos tempos da faculdade, e um rapaz, com cara de marido. Nos braços dela, um bebê fofinho dormindo feito anjo. Um grito incontido de alegria: “ui, que emoção amiga! Como é que soube? Puxa, tive alta agorinha, por pouco não me encontra mais aqui!”. Engulo em seco. Quase não a encontro mais ali? Como assim? Eu nem sabia que ela estava ali! Teve alta? Hum... Não fosse o suposto maridão e aquele “pacotinho” todo embrulhado em azul eu nem suspeitaria do que andara acontecendo nos últimos anos na vida de Valderez...

Olho o “pacotinho”: “puxa, ele é sua cara, olha só a covinha no queixo!”. Covinha no queixo? Percebo a gafe. Valderez nunca teve covinha no queixo. Alívio! Distraída que era, nem percebeu meu fora. Focalizou minhas mãos e foi logo pegando certo embrulho de presente: “ah, que carinhosa, você! Não precisava...”. Ufa! Ainda bem que o agasalho era azul! Foi só o que pensei. O paizão pegou o “pacotinho” e tentou ser paciente. Tagarelando sem parar, Valderez nem respirava: “pois é menina, apostei que você vinha! Acertei! Quem é que te contou?” E agora? Valha-me, São Miguel Arcanjo! Quem é que me contou? Mas, por sorte o assunto já era outro: “escolhi o nome, é Tomé... Lembra que eu gostava?”. Imagina se eu lembrava! Mas aproveitei pra associar: São Tomé, o apóstolo e mártir, aquele que precisou ver pra crer! Esse ia ser fácil! Só mesmo “vendo pra crer” certas coisas que me acontecem...