BEM FEITO PRA MIM!

O interfone toca. Olho o relógio da cozinha: I7h. Nem preciso perguntar quem é. Poderia ir abrindo de vez. É ela, minha visita de hora marcada. Aquele é um hábito de muito tempo. Neste mesmo horário sempre dá uma passadinha por aqui “para pôr a conversa em dia”. Temos na verdade, um diário. Com noticiário e tudo...

Dificilmente ela não aparece. Só em casos extraordinários. Sinceridade? O diário tem pouca serventia. Trata exclusivamente de informações sobre quem está com quem, quem não está com quem, quem brigou com quem, quem falou o quê de quem. Mas fazer o quem, digo, fazer o quê? Escuto e vou tentando interagir: hã, rã, hã, rã, hã, rã... E aí vamos nesse diálogo desleal...

Tento compreender. Sei que é uma pessoa sozinha. E não gosta das coisas com que normalmente os sozinhos se entretêm. Não curte TV (nem os programas de fofocas); nem livros, nem computador; não tem paciência para filmes, não gosta de artesanato, nem de palavras cruzadas, nem de trabalhos manuais. Escutar música? Dá um tédio... Chi, tá difícil!

Mas decido, hoje não! Estou sem ânimo para escutar (porque na verdade eu nem converso, ela não dá tempo). Hoje, excepcionalmente, não vai ter novidades nem cafezinho às 17h, nesta casa. Porque estou exausta, minha cabeça está em outras coisas. Amanhã cedinho vou viajar para resolver alguns problemas. Estou em estado de recolhimento. E, na qualidade de dona da casa, me reservo o direito de não atender esse interfone que toca sem parar... E não abro mesmo!

Dia seguinte, no meio da viagem, blitz na estrada. Estão parando todo mundo. Respiro tranquila. Nada melhor que andar com as obrigações em dia. Motorista habilitado, impostos e taxas devidamente pagos, o carro em ordem. O policial pede os documentos. “Cadê a CRLV?”. “Não recebi ainda, é agora em abril. Os comprovantes não servem?”. Ele faz uma cara que prefiro não entrar em detalhes. Vejo-o se afastar e fazer seus contatos. Quando volta, vem cheio de informações. “A CRLV está lá no setor de trânsito da sua cidade. A última tentativa de entrega foi ontem às 17h. Não tinha ninguém em casa?”. Mal posso crer! O correio tocou insistentemente o interfone levando minha CRLV, e eu simplesmente não atendi... O policial, agora, tinha cara de uma tremenda multa...

NOTA: minha visita faltou naquele dia. Tinha ido ver a Rita, saber umas novidades “quentinhas” para me contar...