Uma varanda para o mundo.

Sentado à varanda, ao lado uma mesa, o Not Book, uma garrafa de conhaque, um maço de cigarros, um cinzeiro, um copo e a noite em olhos, acalentada por minhas confissões e pensamentos. Uns abstratos e outros bem concretos. Observo atentamente a lua, as estrelas no infinito, porém naquela noite, finito. Sentia-me sôfrego e incompreensivo, nada mais redundante que a melancolia apática que se encontrava instalada em meus pensamentos.

Em certo momento, dediquei minha atenção a Netuno, meu gato, meu dependente direto e companheiro, um fiel infiel. Sua liberdade independente me fazia arguir minha maneira de pensar e viver.

No fundo contraditória independência, pois, tinha a casa e eu o alimentava, zelava pelo seu bem-estar, dava-lhe banhos periódicos, vacinas e outras necessárias para uma vida saudável.

Entre um gole de conhaque e um trago no meu cigarro, minha mente oscilava entre o que? E o Porque? Netuno era imprevisível, dava-me pequenos sustos como se fosse um alerta para a realidade. Sua sensibilidade chegava ao extremo do coerente e abrangente, muito embora, sempre no momento exato em que meus pensamentos tornavam-se encardidos. Ele surgia sorrateiro e punha-se a enlaçar-se entre minhas pernas carinhosamente, parecia sentir minhas amarguras e como de fato sentia e muito, mesmo distante. Depois partia em busca do seu próprio mundo estritamente particular.

Os gatos tem um viver diferenciado, prático, usa sabiamente o sexto sentido. Vive livre, vadiando de telhado em telhado à procura do seu prazer, instintivamente na busca incansável de procriar, constituir família e ver nascer seus dependentes diretos. Não é ciumento em se tratando de fêmeas. Eles nunca se fazem carentes, quando sim, trata-se de puro interesse, são dois pesos, duas medidas. Eles escolhem seus donos, sua casa, dormem e acordam quando bem querem, não aceitam interferências do mundo exterior, ou seja, donos, alimentam-se a bel prazer, isto é inegociável. Mas a também suas compensações, e não são poucas, não fazem barulho, a não ser quando estão fazendo sexo, são extremamente limpos, fazem suas necessidades na rua, caçam, ratos, baratas, e o mais que incomodar seu bem-viver. Amantes noturnos, assim podemos considerá-los boêmios felinos.

A madrugada chega aos meus olhos marejados, porém vivos e atentos aos pequenos detalhes, às horas são arrastadas, o silencio é profundo, barulho só de vez em quando, pois meu vizinho do térreo é o dono de uma padaria, logo, o trabalho começa antes do sol despontar no horizonte. A brisa suave e fria vinda do oceano o qual revela-me sentimentos profundos de amor. As lágrimas persistem, teimosas, a saudade faz doer meu peito, a garganta seca leva-me a mais um gole, um cigarro. Persisto olhando para o nada imaginando coisa nenhuma, mas, estou alí digitando minha crônica particular que talvez um dia será publicada, quem sabe? As palavras vinham e partiam em minha mente, aos poucos procurava ou colocava ordem e trazia o sentido às orações, frases, parágrafos ou simplesmente palavras soltas buscando a compreensão, mas, que, fatalmente seriam usadas.

A lua parecia aproximar-se aos meus olhos a cada quarto de hora passada, já cada vez menos dourada, as estrelas pareciam perder a luz, somente as mais ousadas atreviam-se a insistir com toda à sua intensidade. A minha direita as montanhas negras escondiam seu verdejante ser do dia a dia, às vezes lembram-me o camaleão, muda de cor de acordo com o risco, o tempo e o local. Minha crônica tomava forma e o dia tratava de anunciar-se. O verde das montanhas já tornavam-se alegres para recepcionar o novo amanhecer.

Eu alí, sentado, e mais um gole e outro cigarro, mais lembranças.

A amargura não abandonava meu peito, principalmente naquela madrugada, parecia sufocar-me, o nó na garganta persistia. Eu residia naquela cidade há pouco tempo, havia me apaixonado por ela, havia também poucos amigos, para ser mais honesto, nenhum, apenas meros conhecidos, considerava-me um ousado invasor. Mas eu estava ali, um infeliz feliz, um tanto quanto contraditório, mas, era a pura realidade. Em certos momentos conseguia até compartilhar minha felicidade momentânea, na maior parte do tempo, “O vazio era o todo.” Eu me questionava: Como posso amar tanto um lugar e ao mesmo tempo sentir-me tão frigido. Dedicava atenção e presteza a desconhecidos no intuito de fazer fluir o amor sucumbido em meu interior em conflito.

Interessante o ser humano, dedica tanto sentimento a outra pessoa que suplanta a si mesmo, ignora suas razões, ultrapassa limites, vence barreira, ignora preconceitos, quebra regras rígidas. Mas, lá no fundo ele próprio vive vazio. O que era primórdio de vida é concedido à outra pessoa. Intrigante a insensibilidade do ser racional, ou por outro lado, excesso de sensibilidade. A falta de amor próprio pode levar o homem ao declínio absurdo da insensatez, a loucura ou quem sabe à morte. Netuno às vezes passava horas a observar-me, como se fosse meu censor, como se questionasse literalmente, sentia-o em certos instantes chamar-me de burro em seu silencio sábio. Vivenciava meu sofrimento interior totalmente idiotificado. Porém, não conseguia me desvencilhar das amarguras existente no meu eu.

Em fim, o sol achava-se despontando ao longo do horizonte, com ele à esperança de um dia mais contundente, raso e pleno. O vento tornara-se mais forte, ordenava um bailar desordenado aos pinheirais próximos ao topo da montanha. O cheiro doce da manhã misturava-se ao da maresia invadia minha casa e meu interior, com ela a nova esperança.

Pessoas saiam às ruas para comprar pão, leite e o tudo mais que necessário para o café matinal. O mundo volta a exercer seu funcionamento normal do dia a dia. Configurava-se um visão deslumbrante. O conhaque estava em seu final, os cigarros também, restava-me as palavras, agora mais incisivas, mais cruéis,

a cobrança interior aumentava seu fluxo, o cérebro cobrava invariavelmente uma mudança radical sobre todos os aspectos do meu viver.

As lágrimas aumentaram sua intensidade vertiginosamente, agora, o nó na garganta dificultava-me o respirar, o medo assolava meu ser, a covardia fazia-me ignorara tal racionalidade. Em que eu havia me transformado, ou melhor, será que sempre fui assim, nunca me dei conta destas perguntas, simplesmente às ignorava solenemente. Por instantes temi à morte, coisa que nunca fez parte fiel de meu pensar e agir, sempre à considerei e hoje ainda à considero um acontecimento normal e necessário para a evolução da luz, do espírito. Mas, tudo não passou de uma síndrome de covardia.

Estava sendo covarde, sendo meu próprio carrasco.

Hoje, não mais existe aquela varanda em minha vida,

as montanhas, o mar, o próprio Netuno, tudo mudou.

Exatamente hoje, sinto saudades daqueles momentos que tanto me obrigaram e fizeram cresce.

Foram verdadeiramente momentos únicos e abrangentes. Hoje, entendo o que vivi, aprendi várias lições e continuo aprendendo. Entre elas, a principal:

“Viver, ser feliz mesmo achando-se infeliz, é uma questão de estado de espírito, nada que não possamos elucidar definitivamente no nosso dia a dia, depende de nós...”

Hoje, as palavras são meu modo de ser feliz, continuo em minha solidão, muito embora por vezes perturbadora, mas, ainda sim tenho tempo para me amar egoisticamente. Convivo com várias pessoas, dou amor, carinho, compreensão, divido meu amor, meu prazer, exalto o transcender pois aí esta o fator de crescimento interior. No entanto procuro a cada dia me amar mais e mais.

Sei também que, talvez a maioria das pessoas não me entendam e nunca irão me entender. Com tudo, eu os entendo, sei o que fui e às vezes volto a ser, às vezes volto ao passado para não cometer os mesmos erros no futuro. Hoje também, uso o aprendizado de forma mais lógica e abrangente. Procuro usar as palavras para ilustrar a vida das diversas formas que se apresenta. Mesmo sendo questionado pelo silencio, mas, o que importa? “Voce se importa?”

Boa noite...

O Bruxo

Carlos Sant’ Anna Colunista

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Bruxo das Letras
Enviado por Bruxo das Letras em 22/04/2010
Reeditado em 29/05/2010
Código do texto: T2212700
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