Último Momento...


               
"Qual lembrança você escolheria para guardar por toda eternidade?" Quando li esta pergunta no maravilhoso texto de MOlímpia , pensei “ótimo tema para nossos exercícios”. Sugestão aceita. E agora não consigo escolher...
 
               Segundo o Michaelis lembrança, entre outras coisas, é a recordação que a memória conserva por certo tempo. O Houaiss diz que é a faculdade da memória, ou aquilo que ocorre ao espírito como resultado de experiências já vividas. Em quase meio século de existência conservamos muitas lembranças. O arquivo fica enorme e muito variado. Como escolher apenas uma? 
 
               Facilita saber as que não quero levar. Com certeza não levarei em minha bagagem para eternidade, este tempo para além de nós, as dores provocadas pela traição, pela decepção, medo, perda de pessoas amadas. Nem quero comigo a lembrança amarga dos dias de fome, de olhos e estômago vazios, alimentando uma mente cheia de esperança. 

               Fechei este arquivo e deixei que as boas lembranças fluíssem livremente. Lembrei do nascimento de meus filhos, da emoção de amamentar, banhar, acompanhar os primeiros passos; da alegria de abrir o portão e receber aqueles que não nasceram de mim, mas são tão amados quanto. Da maravilhosa sensação de me sentir amada, desejada, querida. Das demonstrações de afeto recebidas ao longo da vida, as homenagens recebidas, o primeiro e único beijo que papai me deu. 

               A explosão de felicidade ao passar no vestibular, no concurso para ser professora, de ganhar um prêmio literário, tomar banho de chuva, namorar ao luar, fazer promessas de amor ao por do sol, viver sonhos de amor nas areias da praia, das caminhadas testemunhadas pelas estrelas, as conversas com amigos, os cafés de fim de tarde nas livrarias, as leituras – minhas eternas companheiras, os filmes que me emocionaram e me ensinaram a olhar o mundo de um jeito mais bonito, as festas...

 
               Depois fui invadida pela sensação de aconchego ao me lembrar das vezes que respirei saudade oxigenada pela esperança do reencontro – que flutuei nas asas da saudade feita de fragmentos dos instantes não vividos, guardados nos murais da fantasia, lá no coração, a espera do momento de serem resgatados pela vida real; pensei nas vezes que minhas ilusões cochilavam, apenas para mergulhar em sonhos possíveis.
 
               Lembrei que um dia tentei segurar os últimos raios de sol com medo da noite e seu silêncio cheio de dolorosas verdades; pensei nas noites em que quis aprisionar a lua para não ver o sol nascer levando embora meus sonhos mais sagrados. 
 
               Vi-me dobrando as esquinas do infinito em busca dos verdes campos de meu limitado cotidiano. Algumas vezes atingi as estrelas e não consegui segurar o brilho daquele olhar, perdido em algum caminho do passado. 
 
               Depois desse passeio tive uma certeza: impossível escolher apenas uma entre tantas lembranças maravilhosas, portanto, decidi – a lembrança que quero levar para eternidade é a última imagem que meus olhos registrarem. A imagem de meu último momento. 

               Imagino que este momento especial trará em si o sentimento de paz, a sensação de eternidade, de acolhimento, a essência de tudo que fui. O registro que fechará minha história. Ele será uma espécie de chave, amuleto, a imagem derradeira de uma vida de luta, batalhas e muitas conquistas. 

               É esta a imagem que levarei para eternidade – aquela que ainda não vivi e, portanto desconheço, mas sei que será eterna, despedidas sempre são, mesmo quando se disfraçam de até logo. 

 
 

 
                                               
 
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Uma Lembrança para a Eternidade. Saiba mais, conheça os outros textos:
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Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 23/04/2010
Reeditado em 23/04/2010
Código do texto: T2214301
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