OS MEUS “ABRIS”

Mais um abril em minha vida. São tantos – de lá para cá – que eu prefiro contá-los a partir da minha certeza de que os que eu deixei para trás não fariam diferença nenhuma na consciência de todos esses anos.

Perco-me, portanto, às vezes, na contagem de todos os “abris” que passei até agora. Relembro aqueles em que estive fora, longe, muito longe de todos os que me são queridos. Nesse tempo de exílio, a cada abril passado, a esperança de estar mais perto de voltar ao convívio deles. Eram “abris” sem fartura, cheios de incertezas e com um quê de nostalgia, além de árduos momentos de solidão.

Não costumo olhar as árvores que se vão, mas observo a mudança da paisagem que me cerca. Tenho notado que o verde já não me acompanha em muitos dos lugares por onde passo. Quem sabe o caminho tenha feito uma curva, um desvio, e não tenha me avisado com uma placa de advertência. Por isso, talvez, o desenho do traçado me seja estranho em determinadas ocasiões de passante.

Mas, abril é abril de qualquer maneira. Gosto de passá-lo, independente de como ele se apresente. Acredito que não tenho mudado muito nesses últimos “abris”. Não, não é verdade. Tenho sim. Mudei muito. Hoje eu penso muito mais do que antes. E são pensamentos cada vez mais interrogativos, divisores. Quem sabe, em meus devaneios, a certeza de que o tempo é aliado da mente e o pensar se torna mais prazeroso quando refletido sobre as suas possibilidades.

Já tive bons “abris”. Alguns deles trago guardados nos arquivos mais preciosos das minhas lembranças. São as pastas denominadas “saudades“. Nelas, todos os “abris” inesquecíveis. Dessas pastas, o código dado a cada uma delas é igual: valiosíssima. Tenho um verdadeiro carinho – e respeito – por todas elas. São elas que me dão o equilíbrio emocional do homem que sou hoje. Por isso, toda vez que eu abro uma dessas pastas para recordá-la, tenho, primeiro, o cuidado de não tocá-la como eu a tocava antigamente. Não faria sentido. Hoje, essas pastas são história. E história se preserva, não se modifica.

Contudo, mesmo que não queira, alguns “abris” foram mais destacados. Passear de braços dados, olhar o sol se pôr, descortinar-se em fantasias sob o céu – e o mar – de uma noite/madrugada, jurar amor eterno, em meio a despedidas, foram alguns dos “abris” inesquecíveis, daqueles que eu passei a ter o prazer de contá-los. Sei que não voltarão. Também não faria sentido que voltassem. Assim como o ditado, nenhum abril seria de ou teria igual valor se fosse reeditado para o meu bel-prazer. Perderia, acredito, a magia da ilusão de ter sido o “melhor dos ‘abris’ já passados em minha vida”.

Assim, me vejo entrando no meu abril de sempre. Este, com o gosto de lutas vencidas, poucas batalhas perdidas, algumas mágoas, compartilhadas tristezas e, por incrível que pareça, a descoberta de que existem mais seres humanos pensando uma vida coletiva do que aqueles que ainda têm como referência a individualidade do “ter”.

Enfim, penso que a vida é bela, os pássaros cantam, o sol se põe – mas nasce no dia seguinte – e a lua me faz companhia, todas as noites, trazendo-me inspiração para mais uma poesia, um conto, uma prosa poética ou, como fiz agora, uma crônica metafísica, ou uma crônica reflexiva, ou uma crônica poética...



Obs. Olha a cara de susto! Café da manhã em um abril (2005). De repente, algumas pessoas entraram cantando parabéns...
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 25/04/2010
Reeditado em 07/12/2011
Código do texto: T2218808
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