Mirando o Ralo

Contarei aqui uma anedota que – tenho motivos para suspeitar – diz muito sobre o filme “A Erva do Rato” de Julio Bressane, sem necessariamente dizer muito sobre ele.

Estava eu no banheiro do Cinesesc tendo meu costumeiro diálogo pré-filme com o mictório (ou, porque não?, “A Fonte” de Duchamp), quando ouço, próximo ao lavabo, sinais daquelas típicas conversinhas anteriores ao filme. “Estou louco para rever o filme. Aparece a “periquita” da Alessandra Negrini inteirinha, linda.” – diz um homem que, de soslaio, só reparo ter cabelos grisalhos. [transcrevo sua fala de memória e sem preocupações maneiristas.] O jovem, que enxaguava tranquila e despreocupadamente as mãos, fica com aquele jeito-sem-jeito de quando não sabemos o que dizer, e dá a conscienciosa e marota risadinha.

O meu primeiro impacto é de assombro e curiosidade: o que leva as pessoas a (re)verem um filme? Arte? Entretenimento? A “periquita” da mulher-sensação de uma das últimas novelas da Globo? Tanto faz. Motivos são motivos. Não há motivo entre o céu e a terra, entre o Cinesesc e o Cinemark, que justifique ou deixe de justificar a ida ao Cinema. Indo ao cinema, o resto é justificável: justo.

Porém, ao achar que o papinho iria se manter na banalidade (fala boba = sorriso sem jeito), fui surpreendido. “Eu já tinha visto a Playboy dela, mas no filme é muito melhor.” – acrescenta o “senhor”. Uau!!! Um filme profundo e artístico consegue (re)significar cada coisa. Paro minha interpretação por aqui.

Gostaria de fechar a anedota contando o desfecho irônico dela. Nos créditos finais – que acredito que o nosso curioso espectador não ficou para acompanhar – aparece a constatação que há uma dublê. Não há cenas de ação, então - como pude supor e depois confirmei pesquisando -, a dublê é para as cenas e fotos de nudez mais explícita. Ou seja, nosso amiguinho deve estar acreditando, até agora, ter visto a “periquita” da Alessandra Negrini. Que ele possa carregar essa crença até a morte.

Enfim, acredito que, aqueles que assistirem ao filme, entenderão do que realmente trata esta anedota. Ou não.