"CUIDADO! OLHA A CONTA!"

Ela tem quatorze anos e um assunto do tamanho do mundo. Está ao telefone faz uma vida! Conversa com Lu, a melhor amiga. Fico incomodada. O que será que conversam tanto? São adolescentes, digo a mim mesma, dá o desconto. No seu tempo você também não gostava de conversar? Gostava, e muito! Só que naquele tempo não tinha telefone assim ...Telefone era luxo. Na casa de uma amiga tinha. Era a mãe dela sair e a gente ir “passar trotes”. De vez em quando dava o maior “bode”. A ligação era feita por uma central. Moleza descobrir o engraçadinho, ou as engraçadinhas...

Antigamente telefone valia ouro. Minha linha levou três anos para ser liberada. Tinha gente que comprava várias linhas só para investir. Alugava todas e passava o dia na praça de papo pro ar. Vivia dos rendimentos no fim do mês. Quem tinha o precioso aparelho era gente poderosa. Contava-se nos dedos os privilegiados. Era ouvir: “Que isso, minha filha, na casa dele tem até telefone!”. Pronto! A ficha da pessoa estava garantida. Tinha telefone, acabou o mundo! Era gente finíssima...

Depois a reviravolta dos tempos. Veio a tecnologia. O que era “chique” virou bobagem. Teve quem dormiu rico e acordou pobre. Porque ter telefone virou coisa pra qualquer um. Celular virou febre. Espalhou-se feito rastilho de pólvora. Tanto que numa mesma casa cada um tem seu próprio aparelho. Coisa comum! Ou mais: um modelo pra cada dia, uma cor pra cada sapato ou cada bolsa. Quem viveu o tempo do lendário telefone preto, hoje peça de museu, nem acredita, acha que sonhou...

Muito bem! Já passei pela sala umas trezentas vezes. Dou aquela olhadinha que traduzindo quer dizer: “Desconfia, minha filha, esse papo não tem fim?”. Mas ela faltou à aula de Interpretação de Olhares. Simplesmente me ignora. De longe percebo uns trejeitos. Falam de garotos. Percebo uma alternância na voz. Se vou para a cozinha, o tom aumenta. Se passo pela sala, o tom baixa. Mal, mal escuto um “O quê? Ela teve coragem de ficar com ele?”. São os garotos. E o papo agora já tá no “ficar”.

Sou discreta. Não tenho por hábito ficar ouvindo conversa dos outros. Mas que dá vontade de gritar “Chega! Olha a conta no fim do mês!”, ah, isso dá. Sim, porque parece que ela já esqueceu o aperto dos interurbanos de duzentos reais do mês passado. Quase morreu de susto! “E agora? Meu pai não pode saber, não conta, tá?”. Enlouqueceu! “Quanto vale meu teclado? Minha caixa de som, minha cama, será que alguém compra Barbie de segunda mão? Vou vender tudo, eu pago a conta!”. Bom, daquela vez passou. Houve choro e promessa de nunca mais... Mas outra vez? Sem perdão! Já sabe...

Por fim escuto: “Então tá, beeeeeeeejo!!!” Ufa! Com aquele beijo esticado tão peculiar dos adolescentes, selaram o infinito colóquio. Aproveito o clic para começar o sermão. Ela faz uma cara de conformada. Senta-se no sofá. Resignada, cruza as pernas. Olhar distante, escuta mas não ouve. O pensamento deve estar fervendo, lá pras bandas do garoto por quem está perdida de amores. Por fim, termino. Ela me destina um olharzinho suplicante. “Posso ir na casa da Lu?”. Não acredito! “Fazer o quê, minha filha?”. “Ué, conversar, né, mãe?”. Os olhos querem tanto que já sei que vou deixar...

(Inspirada nos episódios dos tempos adolescentes de minha filha)