O "ASSALTANTE-MIRIM"

Último toque no cabelo. Um pouquinho de gel. Uma viradinha pra checar o espelho. A camiseta bem ajeitada na bermuda jeans. Flavinho está contente. Oito anos! Orgulhosíssimo. Seu primeiro dia de gente grande. Vai à missa das nove sem a mãe! Sem a mãe? Isso, primeira vez, sem ela. De quebra, ainda vai levar o Felipe, o irmão caçula. Tá pensando o quê? Já dá conta de olhar o garoto. E olha que o danadinho não é flor que se cheire! Apronta que não há quem dê conta!

Lá no banheiro o Felipe grita. É a mãe dando um “trato” nele. Ainda é novinho. Não limpa as orelhas. Não enxuga entre os dedos. O cabelo se espeta, a camisa entorta. Diferente, de Flavinho que já se cuida. Aliás, Flavinho é um rapaz, quase um homem! Vivia atazanando a mãe “Ah, mãe, me deixa ir à missa sozinho, deixa?”. A mãe tinha receios “Será, meu filho?”. Ele argumentava “Os meninos lá da escola vão, quê que tem mãe, deixa?”. Ela deixou. Afinal a igreja ficava a duas quadras de casa. Capaz de não ter perigo, né? É, podia ir, mas levava o Felipe? Tomava conta dele? Tomava, podia deixar...

Ela olha os filhos atravessando a rua “Cuidado com os carros, cuidado com estranhos, não dá papo pra ninguém, não larga da mão do Felipe, não deixa seu irmão pra trás, não... não... Não isso, não aquilo. Flavinho já vai longe. Empertigado no seu cabelo de topete nem ouve o que a mãe diz. Arrasta o Felipe pela mão, com a autoridade de irmão mais velho “Anda, menino, ou a gente vai chegar na hora do amém”. Hora do amém! Era assim que a mãe dizia quando se atrasavam...

Última recomendação: “Felipe, não quero um pio, missa é lugar de silêncio, tá ouvindo?”. O pequeno faz uma cara distraída. Quer sair atrás de um cachorro. Leva um pequeno puxão do irmão mais velho. “Opa, a gente não veio aqui pra brincar, esqueceu? É pra rezar, meu filho. Eu tô te olhando no lugar da nossa mãe. Obedece, tá?”. Felipe obedece. Sentam-se lá na frente. Pertinho do coral, que é pra “participar bonito” como em todos os domingos.

Hora do ofertório. Lá vem a cestinha da coleta. Dentro, minguadas cédulas. A coisa tá ruim. Pelo jeito, todo mundo de bolso vazio. A cestinha desliza de mão em mão. Passa por Flavinho, cai nas mãos de Felipe. Súbito, o gesto é flagrado! Jesus, o danadinho pegou uma cédula na cesta? Sim, ele viu muito bem! A nota de cinco reais escorregou rapidinha para o bolso da bermuda. Meu Deus, esse menino ficou doido? Flavinho se embaraça. Fazer o quê? A cesta segue a coletar seus óbulos. Ufa! Parece que ninguém percebeu. Melhor ficar calado, fingir que não viu. Flavinho está tenso, a mão gelada. Não vê a hora de terminar a missa!

O padre abençoa: “Vamos todos em paz, que o Senhor vos acompanhe!”. Flavinho agarra Felipe pelo braço “Vamos já pra casa! Você pensa que não vi, né?”. A mãe está aflita na janela. Sorri aliviada ao vê-los de volta ao lar. “E então? Como foi a primeira missa dos meus rapazes?”. Flavinho se engasga: “Foi bem, mãe, só que o Felipe “roubou” cinco reais de Deus!”. A mãe é um espanto só “Como assim, Felipe? Explica isso, meu filho!”. O menino que já rolava no tapete com o cachorro nem se perturba: “Eu num robei nada, uai! Ês que passaro me ‘oufertando’, foi só uma notinha, mãe!”. A mãe se atrapalha todinha. Não sabe se ri, se chora, ou se puxa as orelhas do malandrinho. Pra ele aprender a nunca mais “roubar de Deus"...