CADÊ O "M" DA EMPADA?

Lembro-me bem dele: a carinha cheia de sardas, os olhos verdes, o cabelo ferrugem. Garoto inteligente, sabia de tudo. Rendimento nota dez! Só uma coisa me intrigava na “ferinha”: não escrevia o “m” antes de p e b, de jeito nenhum! Por quê? Sei lá, mas não entrava na cabeça dele por nada! E o estranho é que tinha uma ortografia impecável! Fazer o quê? Tudo! Eu tentava de tudo para lhe explicar que, embora “pente” e “empada” tivessem o mesmo “barulhinho” na primeira sílaba, em função das regras, eram escritas de forma diferente. Também, bendita Língua, não é? (bendito com “n” antes de “d”, é claro).

Estratégias para sanar o problema? Todas que a metodologia de uma professora, diante de um desafio, busca conhecer. Mas depois de tanto trabalho, lá vinham: “canpo, bonba, tenpo, senpre, enbora, enpada...”. Sem brincadeira, era de doer! Fim do ano, a coordenação entrou num consenso: “Esse menino não pode ‘tomar bomba’ por causa de um ‘m’ concordam”? Concordamos, como não? Eu conhecia-lhe o potencial, confiava nele. Se precisasse, faria uma prova sem um “emezinho” sequer, só pra ele não perder nem um pontinho...

Foi assim que ele seguiu para o segundo ano, “errando emes” pra todo lado. Mas também era só. O resto ele, literalmente, tirava de letra. O terceiro, o quarto ano... Até que o perdi de vista. Passou para outro turno, confundiu-se com tantos outros como sempre acontece. Lá na frente, não raro, esbarramos com eles, altos, enormes, de aparelhos nos dentes e espinhas no rosto, tão diferentes daqueles que conhecemos.

Ontem, fui à inauguração de uma casa de lanches no centro da cidade. Uma simpatia de lugar. O proprietário veio dar as boas vindas e... Surpresa! Quem era ele? Pois não era o exterminador de “emes” do passado? Eu o reconheceria numa multidão. Abriu-me um lindo sorriso e perguntou: “Lembra de mim”? Como não? É claro que eu me lembrava... Conversamos um pouco e ele voltou aos seus afazeres. Eu, verde de fome, abri o cardápio. Hum... delícias! Escolher o quê? Instintivamente, meus olhos procuraram pelo meu salgadinho preferido. Inacreditável! Lá estava escrito “eNpada de palmito”. Assim mesmo! Com “n” antes de “p”! Não dou conta! Desisto!