Clof! - o temível combate entre João Vilela e "Souza Macumbeiro"...

Clof! - o temível combate entre João Vilela e "Souza Macumbeiro"...

João Vilela era um daquelas figuras que tinham nas cidades do interior, até tempos atrás - um valentão que era bom de tapa e não dispensava uma briga e, que, no entanto, tinha bom trânsito com o povo da cidade, um trabalhador que só gostava de pegar no taco de sinuca e na orelha da "sete copa", um cabra que tinha lá os seus gostos e, não deixava de andar sempre com a calça branca e a camisa de seda javanesa muito bem passadas, cabelo repartido e relógio Orient de aço no pulso esquerdo, sapato de cromo alemão - à parte ter lá a sua amante no "cabaré" - um malandro típico, daqueles que, sempre que podia, leva a vida na maciota.

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Alguns dos circos de lona que se instalavam na praça da Matriz, em Turvânia-GO, promoviam espetáculos de luta livre (na verdade, o velho e divertido tele-cath, que já fez muito sucesso na televisão brasileira, entre os anos 60 e 70), pois estes espetáculos eram a garantia de casa cheia.

Muitos lutadores que participaram desses espetáculos ainda são lembrados pela população da cidade, como é o caso do "Demônio Louro", "Fantomas (imitação do Fantomas que aparecia nas lutas da TV Record e, depois, TV Bandeirantes)", "Índia Paraguaia", "Pequeno Polegar", "Souza Macumbeiro" e muitos outros.

Sempre que os lutadores chegavam ao circo para a noite de lutas, um deles era escalado para ficar na portaria do circo, chamando a atenção do público. Os "bonzinhos", como o "Demônio Louro" ficavam por ali, conversando, passando a mão na cabeça das crianças, conversando rapidamente com os mais velhos e, claro jogando charme para as moças.

Com os maus, o negócio era diferente: ficavam na porta do circo mostrando os músculos, fazendo pose e cara de brabo e, um monte de gestos provocativos para o público. A molecada gostava vaiá-los e detestá-los.

E nesse quesito, "Souza Macumbeiro", um mestiço da cabeça raspada, musculatura evidente, colar de dentes de queixada no pescoço, era imbatível. Sempre arrastava um grande público para suas apresentações.

Certa feita, como o público andava fraco, o dono do circo resolveu promover lutas entre os lutadores "profissionais" e os eventuais desafiantes da cidade.

Na primeira semana, o desafio seria com a "Índia Paraguaia (índia: sei...)". Quem ganhasse a luta, levava metade da bilheteria.

Enfrentar aquela mulher rombuda de quase dois metros de altura? Parecia que ninguém teria coragem. Até que João Vilela ficou sabendo da história, lá no Bar do Marovico e, resolveu desafiar a lutadora.

De noite, já viram, tinha bastante gente no circo. Mágico vai, palhaço vem, chegou a hora do fantástico embate. As luzes se apagaram e entrou uma música animada, enquanto lá embaixo, os funcionários do circo colocavam cordas nos postes ficados ao lado do picadeiro, para formar um ringue.

Aí, veio o apresentador e chamou a lutadora. Ela entrou no ringue e fez aquele mizecene conhecido. E então, depois de um bom suspense (tararararararararararáaaa!...), entrou o desafiante - João Vilela, o valentão bom de sinuca e "caixeta" e andava sempre no tergal e camisa de mangas, saiu lá do fundo e entrou no ringue, vestindo... uma cueca zorba branca e um par de meia esportiva, que também era branco (ué!, tava bom demais...).

Soou o gongo (ou cano de ferro, como queiram) e, começou a refrega. Os oponentes corriam pra lá, corriam pra cá, se aproximavam, se encaravam feio, fingiam disparar um murro, rodavam, rodavam e, a coisa foi indo.

De repente, João Vilela começou com um negócio de avançar até a oponente e dar murros e chutes, e voltar para o seu canto. E aí, rodavam, negaceavam, faziam aquele gestual de lutas... "India" se jogou nas cordas, e se projetou para cima de João, que negou e lhe deu uma "paulistana", que a fez estatelar no chão. Fim do primeiro round.

No segundo round, a lutadora já entrou mancando. E Vilela veio puxado pelo grito da torcida.

Começaram a peleja. O branquelo meio gorducho vinha de lado, dava um murro - pegasse onde pegasse, fugia da oponente. E então, ela vinha e ele dava uma pernada ou uma saraivada de murros. A certa altura, conseguiu desferir um golpe contra a cabeça da moça. E ela cambaleou e, soltou o corpanzil no chão.

O dono do circo correu para os bastidores e, dizem, exigiu que a luta durasse pelo menos mais dois assaltos, para embromar a plateia. Tudo bem, os dois lutadores toparam mais dois assaltos...

No fim da luta, o dono do circo declarou João Vilela vencedor e, teve que lhe dar metade da renda da bilheteria.

O boato da luta correu a cidade e a zona rural. E a fama do lutador da cidade, também.

No sábado seguinte, o dono do circo anunciou outra luta, nas mesmas condições, e o João Vilela, incentivado pelo povo da cidade e irritado pela turma de sinuca, antecipou sua disposição de enfrentar o lutador da noite, que ainda não tinham confirmado.

Sábado à noite: quem estava na porta do circo e era o lutador convidado? Ele, o mal-encarado "Souza Macumbeiro", que estava a caráter, colar de dentes de queixada, colete com pele de onça, calção e bota de cardaço tipo Everlast.

A molecada não fazia por menos, irritando o cara, dizendo que ele ia levar uma tunda do João Vilela e ia perder a té o caminho de casa.

Começou o espetáculo da noite. Dançarina vai, atirador de faca vem, chegou a hora do rude combate dentro das quatro linhas e solo de palha de arroz. Naquela noite, a pancadaria ia comer. E a galera ia saber quem era o tal, o João ou o "Souza".

Capricharam na iluminação e na sonoplastia. E o dono do circo nos erres e efes. Anunciou o lutador convidado e "Souza Macumbeiro" saltou para dentro do ringue numa pirueta, e foi estriptosamente vaiado pelo público, enquanto ia se aquecendo, se jogando e voltando das cordas e, correndo de um canto ao outro do ringue.

E logo em seguida, foi anunciado o João Vilela, que não inovou na indumentária, mas veio todo confiante, acenando para a plateia - inclusive os parentes e amigos que compareceram.

Começou a luta - João Vilela naquela, de fazer negaças, avanços e retrocessos diante de "Souza", que apenas se movia para lá e para cá, olhando no fundo do olhar do outro. De vez em quando, tirava um tempinho para fazer graça e irritar a turma das primeiras filas das cadeiras, fazendo careta. E a coisa foi indo... Giravam, avançavam e voltavam, disparavam murros, se defendiam, enquanto a plateia vibrava e incentivava o lutador local.

Perto do final do primeiro assalto, João Vilela se encorajou e partir pra cima de "Souza". Este, segurou a onda, fugiu dos golpes e, aproveitou para dar encaixar um murro na costela do outro, que acusou o golpe. Mas, com o sangue quente, se refez logo. E acabou-se o primeiro assalto.

Depois do sinal, começou a peleja, de novo. Aí o "Souza", velho de guerra, foi se soltando, investia, voltava, mas sempre arranjava um jeitinho de acertar o oponente, que ia ficando com todo o corpo marcado. E ele foi aumentando a carga dos golpes. E João Vilela deve ter chegado à conclusão que estava num momento difícil, pois sempre que se aproximava, levava a pior.

Naquela situação, João resolveu partir par o tudo ou nada. Deu uns passos para trás e voou para cima de "Souza Macumbeiro", partindo para o tudo ou nada. E seu experimentado oponente, ao que parece, diante daquela atitude impensada - que afinal de contas, desvalorizava o combate, teve tempo de dar um passo para o lado, se abaixar, armar um golpe curto e...

- Clof!

Já podem imaginar que onde o murro pegou e o quanto o encaixe foi perfeito. Pois, é... João Vilela desabou aos gritos, e não conseguia se refazer do prejuízo. Alguém entrou no ringue e levantou suas pernas, para tentar minorar o problema, como fazem os jogadores de futebol, nesses cassos. Mas, depois de tentar se levantar, ele deu uns passos para trás, mas depois,foi arquejando e, caiu sobre o chão de palha de arroz de novo, onde ficou rolando de um lado para o outro.

Fim do espetáculo. João Vilela levou a pior e, saiu ajudado pelos peões do circo.

O dono do circo, que armou um bom esquema, 'rachou" de ganhar dinheiro, naquela noite.

E "Souza Macumbeiro" manteve a fama de antipático, mau e bom de porrada!