Mãe é mãe

Era uma noite de domingo. A vida parecia tranquila naqueles últimos dias do ano. Quando o telefone toca. Era a minha irmã mais velha, com uma voz suave e distante. Pensei que iria cobrar porque não liguei. Passei o dia inteiro pensando em ligar, mas, desnaturado, o tempo foi passando e ficou tarde.

- A mãe se foi...

Um soco na alma, um vazio no peito. Não dá pra segurar... e as lágrimas caem num choro sufocado, doído. Não sei o que fazer. Fico parecendo um bicho acuado. Vago da sala pra cozinha, tentando conter a dor, os remorsos, a distância, as tantas vezes que não nestes anos todos tão longe.

Sempre que um dos irmãos ia embora pra cidade grande, eu sempre dizia – eu nunca vou te deixar. No entanto, tramas do destino, eu, o caçula, fui o filho que ficou mais distante, sem vê-la muito mais do que deveria.

As lágrimas não paravam de cair. As lembranças vinham, como as imagens num segundo antes da morte. Por que não fiquei mais perto, por que não fui visitá-la mais vezes. Chega um tempo em que você acredita que este dia nunca chegará. Ou que, quando chegar, você já estará preparado. Que engano. Que triste mentira nos contamos.

Ah! Dona Silota, minha mãe!

Ouvia, desde menino, ela dizer – quando eu for embora, vocês vão sentir falta, vão dar valor.

E não é que era verdade? Achei que o tempo e a distância tinham calejado o coração e, sublimando tanta saudade, aceitaria a perda com mais resignação. Mas, nem o carinho e a fraternidade, em volta de mim, acalentavam este espírito se sentindo mais perdido do que nunca. A cabeça fervilhando... vou, adianta ir, como, assim, sem vôos? E o choro não para.

Como quem nasceu no litoral e vai pro interior, passa a vida inteira com saudade do mar.

Foi assim que fiquei – não pensei que aconteceria este buraco no peito e o coração saindo pela boca.

Como sempre perguntamos de onde viemos e porque estamos neste mundo e parecemos filhos que não sabem quem é o pai e ficam procurando-o a vida toda, descobri na dor o que é a mãe. Que ser é teste, com seu amor incondicional, vivendo uma servidão voluntária eternamente? Cheia de dedicação e lágrimas passa a vida entregue aos seus rebentos, sempre tratando-os como filhotinhos, mesmo depois de velhos.

É a nossa raiz, a origem da vida, nosso elo com a criação, com o planeta, o cosmos, a única ligação com o mundo que conhecemos, verdadeiramente. A que nos deu à luz. E quando a perdi, senti que abriu-se um vácuo sob meus pés, num segundo percebi que finalmente estava só no mundo. O casulo espiritual protetor foi desfeito. Perder a mãe é perder a origem da vida.

Mãe é mais do que parir, é criar a teia da vida dentro da própria alma. E assim agora caminho por este mundo com meus pés descalços e me sentindo um caçula abandonado, mas jamais esquecerei a velha e boa senhora, lavando roupa, fazendo comida pronta para os filhos, a toda hora.

Hoje não haverá o telefonema de todos os anos de distância, o que resta é saudade...

dori carvalho
Enviado por dori carvalho em 08/05/2010
Código do texto: T2244903
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