As Modernas "Indústrias" do Brasil (3) - A Indústria de Concursos

     No ano passado, a Transparência Internacional reputou o Brasil como o 19º país mais corrupto de um universo de 34 estudados para produzir o Índice de Percepção da Corrupção relativo àquele ano. Esse índice é tanto mais desonroso quando se sabe que esses 34 países estudados foram selecionados entre os mais corruptos do mundo, o que significa que, entre os piores, estamos “bem colocados”.
     Não sei como funciona a corrupção nesses outros 33 países, isto é, a abrangência e o grau de tolerância das instituições em relação a esse cancro social, mas sei que aqui no Brasil ela atinge todos os setores, órgãos e administrações públicas do país, e que permanece soberba e imbatível – no meio de governos autoritários, democráticos, de direita, de esquerda, de centro, etc – por dois principais motivos: primeiro, por sermos também um dos países bem colocados no item “impunidade” e, segundo, por sermos um “povo passivo” mal rotulado de “povo pacífico”.
     Por esses dois motivos - que deram coragem para Collor e Zélia Cardoso de Melo deixar todo brasileiro com apenas cinquenta mil cruzeiros na conta bancária da noite para o dia, em 1990 - não é de se estranhar que ninguém até hoje tenha denunciado oficialmente, nas mídias ou na Justiça, a indústria dos concursos que fatura alto em cima do desemprego e da busca pela segurança sócio-profissional.
     Quando a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, “II”, proibiu qualquer investidura em cargo ou emprego público sem a prévia aprovação em concurso público de provas, foi descoberto um novo filão para aumentar o faturamento de empresas e órgão promotores de concursos assim como de cursinhos preparatórios.
     Todo concurso público no Brasil – seja na área federal, estadual ou municipal - cobra uma taxa de inscrição de cada candidato que, na maioria das vezes, atinge a 10% ou mais do salário mínimo nacional, e como o fantasma do desemprego ou da insegurança no emprego é tão assombroso que mobiliza um número impressionante de candidatos – numa média de cem a mil candidatos por vaga – o dinheiro arrecadado com taxas de inscrição se torna uma boa e cobiçada grana, repassada, é claro, para as empresas ou órgãos especializados em promover concursos públicos no Brasil. No meio disso, proliferam os cursinhos preparatórios cobrando salgadas mensalidades para preparar candidatos.
     Essa situação não seria nada condenável se suspeitíssimos fatos não se repetissem constantemente nesse contexto, tais como:
     1. Grandes órgãos e empresas estatais – principalmente do governo federal – promovem concursos públicos todos os anos para cargos com muitas vagas, com poucas vagas, ou, pasmem, sem nenhuma vaga, e, nesse caso, os aprovados ficarão no famigerado “cadastro de reserva”.
     2. Para os cargos de muitas vagas, dificilmente a metade dos aprovados é logo nomeada e chamada para a posse. Todo concurso público tem validade de dois anos, mas mesmo assim, no outro ano, promove-se novo concurso para aqueles cargos – um concurso completamente desnecessário, pois bastava nomear o restante dos candidatos aprovados no concurso anterior para preencher todas as vagas;
     3. Há órgãos ou estatais que promovem concursos sistematicamente para suprir 5 ou 10 vagas quando se sabe que suas vacâncias funcionais são muito maiores. Acontece que a administração pública “adora” fazer concursos e, então, são realizados 10 concursos para suprir 5 vagas em cada um, quando bastava um só concurso para 50 vagas.
     4. Outros órgãos ou estatais costumam fazer anualmente concursos para “cadastro de reserva” - o que não se sabe é para quê. É, no mínimo, estranho que se queira aumentar o “cadastro de reserva” de funcionários numa empresa ou órgão que não tem vaga para nenhum funcionário.
     Moral da história: ganha a empresa estatal ou órgão público que, sem gastar dinheiro, tempo ou trabalho, recebe mão de obra nova e cada vez mais bem qualificada; ganham as empresas ou órgãos promotores de concursos, pois cobram verdadeiras fortunas para realizá-los; por fim, ganham os cursinhos preparatórios que vivem disso, ou seja, que haja concursos.
     E você sabe quem perde, não? Os candidatos inscritos nos concursos, por extensão, o povo, pois o lucro se dá em função do alto nível de desemprego e da insegurança dos empregos, bem como de uma nova e salutar tendência dos nossos jovens de buscar a sua segurança financeira antes dos 30 anos.  Somos todos vítimas das “Aves de rapina que sugam o sangue do povo brasileiro”, como disse Getúlio Vargas em sua histórica carta de despedida.
     Não é de se admirar que lobistas a serviço de empresas promotoras de concursos ou de cursinhos preparatórios frequentem assiduamente os gabinetes de chefes ou diretores de pessoal de empresas ou órgão públicos, tentando arrancar deles promessas de realizações de concursos públicos. O que oferecem em troca? Mistério... Não é de se admirar também que os donos de empresas promotoras de concursos sejam parentes desses chefes ou diretores ou, o que é mais óbvio, sejam parentes de deputados, senadores ou de um graudão dos altos escalões da administração pública federal, estadual ou municipal.
     Até quando, Catilina?



Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 09/05/2010
Reeditado em 11/05/2010
Código do texto: T2246211
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.