(SÓ) QUINZE ANINHOS

“Casamento é tudo igual: a mulher tenta fazer com que o homem mude ao longo dos anos, mas ele não muda. Já o homem torce para que a mulher jamais mude, mas ela sempre muda”

(autor desconhecido)

Dia desses ouvi em algum programa de televisão uma ótima explicação sobre a dificuldade – talvez um problema, talvez não – enfrentada pela sociedade moderna para a manutenção de casamentos e para fazer com que eles se tornem mais longevos. O fato é que o casamento, na forma cristã como o concebemos, foi moldado por volta da Idade Média (pelo menos foi o que disse o homem da tevê; e não tive argumentos para negar ou comprovar, apenas achei plausível); portanto, os sagrados laços do matrimônio foram “inventados” em um momento histórico determinado, com um contexto social específico, com regras, esperanças e certezas motivadas e formatadas por aqueles tempos e seres em particular.

Tanto foi assim que há relatos da época (procurem na Wikipédia para ver se não é verdade...) de congressos, onde se reuniam os bam-bam-bans da casta religiosa, que visavam única e exclusivamente criar protocolos para os cerimoniais ligados ao casamento.

- Quem entra primeiro na igreja?

- O noivo.

- Certo. Muito bem... e a noiva vem logo em seguida?

- Não. Acho bom ela demorar um tantinho para chegar à igreja.

- Tantinho quanto?

- Umas duas horas, talvez.

- Mas para que tanto?!

- Acho tempo suficiente, em caso de um choque de lucidez espontânea, para a fuga do noivo.

- Entendo.

Continuando o pensamento do sábio da tevê, naquela época, como relatam diversos documentos, prosas, cantigas e atestados de óbitos gravados em pedra-sabão, a expectativa de vida dos cidadãos não era lá muito longa. Vivia-se, sei lá, em média uns 40 anos. E aqui chegamos ao “X” da questão levantada pelo senhor televisivo (cujo nome não lembro, desculpem): com todo mundo morrendo aos 40 anos (às vezes até antes), ficava moleza para o padre declarar aos noivos “Até que a morte os separe”. Não é uma verdade - não percebida por mim antes - impressionante?

É óbvio! Casava-se aos 25 e, 15 anos depois, pimba!, batia-se com as dez para seguir rumo à paz. Assim até eu encarava um casamento eterno (sapo-seco-salamandra, bate na madeira, Beto!). Brincadeira – de mau-gosto – à parte, pense comigo: ter 15 anos de casamento como teto é um prazo bacana ou não é? Eu sei que alguns aí vão considerar pouco, “Ai, Beto, mas eu queria envelhecer ao lado do meu docinho-de-coco”, outros, pelo contrário, considerarão tempo demais. Bom, prometi a mim mesmo, quando decidi começar a escrever esta crônica, tentar ser o mais legal possível; portanto, atrevo-me a dizer que 15 anos de casamento é um período justo. “Galera, chamem um médico que o Beto caducou!”

Não é nada disso. Só acho que, puxa vida!, 15 anos – no máximo, é bom reforçar – agradaria gregos, troianos e baianos. Não teríamos de passar, por exemplo, pela constrangedora e bolorenta comemoração de Bodas de Prata. Além disso, com 15 anos dá para se divertir à beça, dá para sentir ciúmes, para brigar, transar, ser fiel, trair, viajar, ficar entediado, fazer terapias de casal, se encher da cara um do outro, visitar sex shop para tentar reacender a paixão, depois esfriar os lençóis de novo, ter filhos, curti-los, criá-los, vê-los crescer, voltar a brigar, e depois brigar mais uma vez, xingar, amar, chorar, sorrir, gritar, fugir, voltar, implicar com coisas que antes pareciam lindas, até que, pronto, missão cumprida, cada um segue o seu rumo. Sem exageros e sem ficar incomodado em ter de cumprir, até chegar à cova, promessas velhas e fajutas cujas datas de validade já venceram há tempos.

Pessoal, precisamos aprender com aquela gente do passado. Aposto que eles entenderiam que, vivendo-se 80 anos (minha tia-avó faleceu com 106) como se é possível atualmente, não há cristão que aguente dormir e acordar todo o santo dia ao lado da mesma pessoa. Sei que uns até curtem, que outros acreditam piamente – ou até consigam realmente – serem felizes; mas são exceções à regra. Temos de viver com as realidades e contextos de nossa época. Se a medicina, as condições de higiene, o acesso à informação se aprimoraram e nos permitem viver mais, por que não aproveitar estes anos sobressalentes que nos foram dados para conhecer pessoas variadas, vivenciar cheiros, gostos, ritmos, práticas, inteligências, conhecimentos, defeitos, preguiças, erros, ou seja, personalidades, diferentes? Não aprenderíamos muito mais assim?

Os nossos antepassados não podiam fazer isso. Para se ter uma idéia de como era preocupante essa coisa da expectativa de vida para aquele povo de antigamente, quando as moças de outrora chegavam aos 15 anos virava um deus-nos-acuda. Afinal, os papais já deviam estar no fim do rio, com a dona da foice a lhes esperar, e tornava-se primordial arranjar um rumo para suas descendentes. Vejam, falo apenas das mulheres porque nos séculos pré-revolução industrial era o homem o responsável pela renda da família e, na maioria dos casos, o herdeiro primário. À mulher cabia tão e somente cuidar da casa e da família (prestem atenção, não concordo em nada com isso, é só uma constatação histórica). Consequentemente, para o homem não havia muitos problemas em uma troca de alinaças tardia. Já para as mulheres...

Comprovamos tamanho desespero analisando um marcante fato cotidiano: a criação (e que hoje se tornou uma “tradição” – besta a meu ver) das festas de 15 anos; que remontam dos tempos em que o mapa-múndi ainda era feito com colchas de retalhos. Os pais faziam a festa de 15 anos para apresentar, enfim, a moçoila para a sociedade – hoje em dia é por pura, e ridícula, ostentação. Afinal de contas, os progenitores, por volta de seus 40 anos, já estavam indo dessa para uma melhor e precisavam dar um rumo, e logo, à sua pequena. Ou seja, se passados dos 15 anos a rebenta ainda não tivesse se casado, podia, além de ficar no completo desamparo financeiro, já ser considerada uma titia solteirona (calma, minhas caríssimas amigas, isso era naqueles tempos, sem ataques histéricos. Vocês ainda têm chance... tenham fé!).

Então, como eu ia dizendo, com 15, 16, 17 anos no máximo, o pai queria era ver a menina laçar logo um noivo. E para evitar tiros no alvo errado (ou seja, falido), havia famílias mais abastadas que (por medo de ter de dividir com um coitado qualquer – tipo músico, jornalista... – o dimdim acumulado ao longo de exaustivos e suados anos de maracutaias governamentais, desvios de verbas, superfaturamento de obras e mensalões) chegavam até a prometer, ainda em fraldas, sua princesinha a um filho de Adão pura e simplesmente pelo sobrenome que esse viesse a ter ou pelos palmos que contavam a circunferência de suas posses (estou falando de propriedades, moçada, juízo!).

Logo, me digam: vocês gostariam de viver naquela época? Acredito que não. Agora, em pleno Século XXI, podemos escolher. É permitido casar-se com 15 anos, se assim quiser; ou com 20; ou esperar até os 30; quiçá, 40; vez ou outra, 50; até com 80 se o livre-arbítrio ainda lhe for facultado e se o Viagra não causar uma parada cardíaca antes. É razoável até, pasmem!, ficar solteiro pelo bel-prazer e gozo da liberdade. Ou, melhor, se assim preferires, é possível contrair (sempre achei uma palavra adequada) matrimônio aos 15 anos, viver o teto medieval neste primeiro casamento, separar-se e depois, aos 30, com outra pessoa, tornar a se casar... E, 15 anos depois, em uma tréplica casamenteira, se for de sua vontade (psicanálise está aí para isso), juntar escovas aos 45 e encerrar os trabalhos aos 60... Simplesmente por ter esgotado as possibilidades; ou por ter aprendido tudo o que se podia neste quesito; ou por querer ser, enfim, livre; ou porque foi enquadrado e preso por não conseguir pagar as exorbitantes somas referentes às pensões que três casamentos causariam.