QUINZE BONÉS E UMA SÓ CABEÇA

Com a chegada do frio resolvi arrumar meu guarda-roupa.Providência que a gente toma no início da estação friorenta: roupa leve pra gaveta de trás, roupa quente pra gaveta da frente.

Resolvi começar arrumando os bonés.Eu gosto de usar boné no inverno, principalmente, de noite. Que coisa! Tenho quinze bonés, alguns nunca usados.Pra que tantos bonés se eu só tenho uma cabeça? Olha só!O inverno são três meses, noventa dias divididos por quinze, posso usar um boné a cada seis dias sem repeti-los.Isso é doideira!Vou ter que me desfazer de alguns bonés, desocupar as gavetas, doar para pessoas que precisem. Fico só com dois.Uso um enquanto o outro estiver pra lavar.Lembrei-me do catador de lixo, do rapaz que cuida do estacionamento, da mocinha que vende naftalinas na esquina e de outras pessoas necessitadas que enfrentam o sol e a chuva.

Comecei a separação dos bonés para a doação.Fui separando um a um:

Este não posso doar, pois ganhei do meu cunhado que me trouxe de Portugal.

Este também não, foi presente da minha filha que me trouxe da Eslováquia.

Estes três nem pensar, são bonés do Figueirense, um para cada ocasião: o mais quente para usar em jogos noturnos, o outro para jogos em dias de chuva e o terceiro para o dia a dia.

Esse aqui fica, é o meu preferido, eu mesmo comprei ali no Uruguai.È um boné de lã, de aba pequena, quase uma boina, confortável, quente, muito usado pelos “gauchos” orientais nas lidas a cavalo.

Este aqui não posso doar, boné de couro, bonito, quente, feito em Gramado, ganhei da minha sobrinha.

Este outro também não, boné de marca, fresquinho e bom pra usar no Verão, comprei mês passado quando estive no Rio.

Dos quinze sobraram sete bonés sem currículo sentimental e apego muito forte.Contei de novo, me questionei e nada.Preciso me desfazer de outros bonés.Alguém dentro de mim bateu pé: só podes doar estes sete e nada mais!Mas eu tinha intenção de doar treze e ficar só com dois.Não adiantou, a luta interna foi feia e acabei cedendo aos meus apegos.Mas valeu o esforço, foi uma guerra, mas consegui me desfazer de sete bonés ficando sós com oito.

E agora fico pensando como vivemos cheios de coisas!Roupas, relógios, camisas, canetas e outros bens de valores maiores que possuímos, muitas vezes, por apego, por segurança ou por simples ostentação e não por real necessidade.Outro dia visitei um casal amigo, sem filhos, moram em um apartamento de dois quartos e tinham quatro TVs.Um aparelho na cozinha, um na sala, um no quarto do casal e outro no segundo quarto para uma possível visita.

Também na área mental e sentimental somos exagerados.Quantos pensamentos e sentimentos (raivas, pretensões, mágoas, desgostos etc.) guardamos e carregamos durante toda a vida.Com esta carga nos tornamos pesados, tensos e infelizes.Será que não poderíamos liberar essas tensões para ficarmos mais livres e mais soltos?

Penso que de agora em diante vou fazer esses levantamentos com regularidade, tratando de me esvaziar um pouco dessas sobras existenciais.

Tenho certeza que vou ficar mais leve, mais ameno, talvez perca, até, uns quilinhos de peso!

HAMILTON SANTOS
Enviado por HAMILTON SANTOS em 21/05/2010
Reeditado em 22/05/2010
Código do texto: T2269763