COMIDA DE GAÚCHO EM TERRAS JARDINENSES

Não imaginava que um dia fosse escrever sobre morcilha e as pessoas ao meu redor pouco soubessem sobre esse substantivo.

Morcilha, do espanhol morcilla. Na minha infância comíamos morcilha com queijo fresco e café, no café da manhã. Meu pai dizia que comer morcilha logo de manhãzinha deixava a pessoa forte para enfrentar o dia inteiro de trabalho pesado na roça.

Era morcilha com arroz branco. Morcilha com rapadura. Morcilha com mandioca.

Lembro de um dos muitos dias em que meus pais fizeram morcilha em nossa casa. A tarefa começava com o sangramento do porco; momento esse em que um talho era aberto na garganta do animal e imediatamente tapado com um sabugo de milho. Depois de pelado (com água quente e uma faca), o porco era aberto e com uma bacia recolhia-se o sangue, que estava retiro pelo tampão. Esse sangue seria o ingrediente principal para o preparo da morcilha. Depois retirava-se a “frissura” ou “os miúdos” que seriam cozidos em água fervente e sal. A seguir eram cortados em cubinhos, temperados com sal, pimenta, cheiro verde e, principalmente, mangericão.

Esses ingredientes, acrescidos de toucinho também picadinho, misturados e temperados, eram o recheio da tripa do animal que já fora limpa, pré-cozida e preparada para receber a mistura. Por meio de um funil na ponta da tripa era posto o recheio e estava pronta a morcilha, que no momento de servir era novamente cozida.

Muito tempo depois desses dias aprendi que a morcilha feita em minha casa era também chamada da sarapatel.

Muitas vezes fico pensando no momento em que via a morte do porco. Eu e minhas irmãs ficávamos em volta dos meus pais e do bicho que morria e presenciávamos tudo sem a menor cerimônia. Não escondíamos o rosto com as mãos e nem apertávamos os lábios. Era normal e natural ver o porco receber uma “chuchada” – ou como diríamos hoje - uma estocada. Não éramos primitivos e nem bárbaros. Éramos crianças ingênuas que ainda não sabiam ler e que dormiam no colo de pai.

Vicentina Vasques
Enviado por Vicentina Vasques em 23/05/2010
Reeditado em 23/05/2010
Código do texto: T2274124
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