BOM CARÁTER

Distinguir temperamento de caráter é equação aparentemente simples, mas a maioria cai na loucura de trocar os pés da aparência pelas mãos da consequência.

Quantos temperamentos menos convencionais são a exposição sem truques de personalidade sem mistificações que paga o preço da transparência no banco da reputação? Quantos caráteres camaleônicos hospedam vírus fatais de conquistador de almas e corações incautos que investe na poupança do politicamente correto?

É muito improvável que no convívio social do trabalho, da escola, do clube, das relações negociais, de qualquer coisa que implique cumprimento de agenda de sociabilidade, o temperamento e o caráter sejam indefinidamente encobertos.

Entretanto, por mais que a formalidade ganhe a força de uma blindagem à essência dos interlocutores, a verdade aparece e por isso mesmo costuma reparar injustiças, confirmar suspeitas, delatar idiossincrasias e toda a rede de atributos e pecadilhos de uma sociedade.

Alguém que se apresenta a terceiros como vítima de um passado sustentadamente infrator, logo mostrará a cara. Não há temperamento que não seja sufocado ou glorificado pelo caráter.

Inquestionavelmente, temperamento mostra logo as cartas, porque o cotidiano dificilmente permite jogo de cena permanente. Em situações que fogem à normalidade testam-se e escancaram-se os nervos. Temperamento é o sol de verão que brilha. Já o caráter é menos suscetível a definições imediatas. É a lua escondida entre nuvens a emitir luzes nem sempre perceptíveis.

O tempo sempre breve que ajuda a desnudar o sentido prático de temperamento é mais duradouro na prospecção de caráter, porque atua diretamente na destruição de arranjos relacionais construídos sobre castelo de areia de maquinações psicológicas.

Temperamento é o veículo em sentido contrário ao qual sempre prestamos muita atenção para não sermos surpreendidos por eventual barbeiragem. Estamos sempre a postos para reagir ao menor sinal de perigo. Um temperamento irritadiço é como um farol vermelho que nos incomoda, porque a expectativa é sempre e sempre de sinal verde de civilidade programada. O temperamento calmo é sempre uma porta aberta a avanços que o temperamento arredio muitas vezes só consegue com talento superior e incontestável.

Temperamento e caráter não são porções excludentes da personalidade. Não existe uma parede genética nem de usos e costumes que divida previamente temperamento e caráter. Um temperamental tanto pode ter bom como mau caráter. Um temperamento mais suave também não está fora da faixa que divide bom e mau caráter.

A dificuldade é detectar o bom e o mau caráter. Leva tempo até que a máscara caia. Pequenas atitudes geralmente o denunciam. O confronto de informações, a observação atenta dos relacionamentos, a segurança de opinião, os laços de lealdade, tudo isso pesa e pesa muito quando se pretende distinguir alhos de bugalhos. Generosidade de tratamento costuma reunir também a contraface de porta de entrada a ciladas de portadores de caráter que o tempo provará desajustado. A porta de saída é o desencanto, quando não a prostração.

O futuro só a Deus pertence mesmo, porque vivemos numa comunidade que não enxerga um palmo à frente do nariz de responsabilidade social. As exceções só confirmam a regra.

Vale mais a aparência de uma pessoa com suposto bom caráter do que o inconformismo do temperamento menos adocicado à situação.

(D.Lima)