LADY KÁTIA - MINHA DOCE AMANTE

Ao longo desta minha quase doce vida, já fiz um pouco de tudo: fui engraxate, balconista de loja, aprendiz de tipógrafo, até bancário... Acho que só não trabalhei no Circo do Zé Toniquinho - o mais antigo e assumidíssimo gay da cidade! E dos tempos no banco, jamais vou esquecer as segundas-feiras. Sei que para a maioria das pessoas é a data nacional da preguiça, ou da ressaca, mas para mim significava o dia em que “ela” vinha à agência passar uma ordem de pagamento, com parte das suas economias da semana. Coloque no rosto da Juliana Paes: os olhos da Carolina Diekmann, a boca da Cléo Pires, e por fim acomode tudo no corpo da mulata globeleza... aí, vai dar pra se ter uma pálida ideia de quem era aquela verdadeira diva!

Nem tanto tempo faz assim, no atendimento dos caixas de banco não havia esta enganação da fila única. Cada cliente escolhia o guichê que desejasse. E, portanto, voltando à sagrada segunda-feira, lá vinha “ela”, pacientemente aguardando ser atendida por mim. Ai, Kátia, Kátia, quantos olhares fulminantes como raios, das outras mulheres, caíam sobre mim; quantas piadinhas preconceituosas de colegas despeitados, tive que ouvir em silêncio; quantos cabos de vassouras foram quebrados nas minhas costas, ao chegar em casa, por culpa da sua exclusividade... “- Quando vou ao banco, você é sempre legal comigo, não me olha de cima, não fica especulando, e me trata como uma Lady...” – confidenciou-me a deusa num final de madrugada, em que despudoramente havíamos entornado juntos uma garrafa de Jack Daniel, legítimo!

Até que num belo começo de semana, a Kátia chegando de lado na fila do meu guichê, perguntou baixinho, com aquele jeito provocante, que seus lábios pareciam mal se tocar: - Onde posso abrir uma conta? No setor de atendimento só enxerguei a cabeçorra oxigenada do Zilo. Em verdade o colega tinha outro nome, mas depois que pintara os cabelos de louro, ficando parecido com uma bichinha que fazia ponto na Praça da Matriz, lhe demos o mesmo apelido de guerra. Não me restou alternativa.

Tudo ia bem, quando lá pelas tantas, com sua voz de Pato Donald dublado na TV, o Zilo chamou por mim. Levantei a cabeça e, no atendimento, minhas vistas cruzaram-se com o olhar desamparado, quase de desespero, da Kátia. É que na abertura da conta o cliente devia fazer uma confissão detalhada de sua vida - como se estivesse ao pé do padre -, tendo, sobretudo, que comprovar nome e endereço. Da agência inteira, só a gazela emplumada do Zilo não sabia que aquele monumento à sua frente, era um anjo decaído que prestava serviço em certo estabelecimento de má-fama, ali no trevo da BR-262, popularmente conhecido por Cantinho da Tê. No sufoco, gaguejei a primeira resposta que me veio à cabeça: - Garçonete! Praça da Matriz número tal.

Algum tempo depois, por pura sacanagem, na presença de outros colegas o gerente me entregou um maço de correspondências do banco - devolvidas pelos Correios -, com a seguinte anotação “Desconhecida no endereço”. Batendo pernas pela Praça da Matriz, resolvi conferir o número que no aperto eu dera como residência da Kátia. Por cúmulo do azar era o da Casa Paroquial! Me desculpe, padre Henrique, de onde o senhor estiver...

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 26/05/2010
Reeditado em 25/03/2011
Código do texto: T2281093