CHUVAS DE FLORES

Não sou de muito falar. Até ando meio preocupado se a minha boca não vai acabar atrofiando. Acredito que não, pois para a sua outra função eu sou fera. Como carne, vegetal e o escambau, apesar do Dr. Moreira ter jurado não mais me atender caso eu não fizesse a dieta (já leu a que ele me passou? Eutanásia em longo prazo).

Agora... Meu cérebro não para. Eu não dou mole para ele não e até quando estou viajando e coloco algum CD para tocar, me desligo de algumas músicas e fico pensando. Só acordo quando escuto o Armstrong em “What a wonderful world”, “Stars felt on Alabama; Doris Day em “It’s magic”, “You’ll never know” e vamos por aí, geralmente acompanhada com a orquestra de Harry James, inigualável sopro no trompete. Prefiro as músicas orquestradas, mesmo que seja a banda de percussão do Zeca Pagodinho.

Ouvir Wynton Marsalis executando Summertime, Deep Creek; Clyde McCoy em St. Louis blues, Menphis blues ou então o que ouço agora enquanto escrevo: Julio Iglesias. Acham que pirei? Julio Iglesias? Mas há um solo de sax em Crazy e em “El dia que me quieras”, cara! Não me canso de ouvir (despreze a voz e ouça somente os instrumentos. Treine que dá). Já ouviu também Etta James em “Stormy weather? Tá perdendo, véio! Pelo amor de Deus: trate bem das suas coronárias!

Por acaso já ouviu Helmuth Zacharias e sua orquestra em “Sleepy lagoon”? Ou com a de Frank Chaksfield? Já ouviu esta mesma melodia no solo incrível do trompete de Harry James ou o solo de saxofone não sei de quem em “Sophisticated lady”, membro da orquestra de Duke Ellington? Já ouviu Ella Fitzgerald? Billie Holiday? Ou a orquestra de Billy May? Ray Anthony? Count Basie? Jackie Gleason e o trompete de Al Hirt? Já reparou nos instrumentistas que compõem essas bandas? Rhapsody in blue ou An american in Paris, de Gershing, com a Orquestra Filarmônica de Berlim? Deus do céu! Não sabe o que perde.

É isso. Eu queria estudar música quando saí da roça para Cordeiro. Pretendia tocar pistom na escolinha do Sr. Macedo, maestro da banda. Hoje a escola cresceu graças aos esforços de muita gente e vocês precisam ouvir como a meninada de lá toca. Cada um pixotinho desse tamanhinho, ó! Babo de inveja.

Mamãe não deixou. Segundo a sua sapiência, eu era muito magro e forçaria muito os pulmões e poderia ficar tísico. Não tive tuberculose e nem sei tocar nada... He! He! Mais fácil ter ficado tísico por isso, segundo a crença da época. E ninguém precisou ensinar.

Tempos depois eu fui estudar em Miracema. Era considerado um dos bons alunos do colégio em Cordeiro e lá cheguei com essa fama. Valia para alguma coisa? As meninas daquela época gostavam de namorar os bons alunos. Ainda bem porque de outra maneira eu estaria até hoje invicto no que tange às meninas. E o Ivo? Coitado!

No segundo ano da minha estada por lá soube que ia para aquele colégio um cara fera (hoje o meu grande amigo Dr. Ivo Kelis) e esse danado sabia inglês. Me apertou! Ele era também um excelente aluno; era e ainda é muitíssimo mais feio do que eu... Mas, pô! Sabia inglês! Já tinha um par de ases. Cacete! Mandei ver! Comprei o que pude ou havia e disparei estudar a língua.

O pessoal de antigamente sabe que os jornais e também as revistas especializadas publicavam as letras dos sucessos musicais e lá naquele lugar e naquela época não ia encontrar uma viva alma para me ensinar aquela língua estrangeira. Decorar, adquirir vocabulário era tarefa que sozinho dava conta, mas e a pronúncia? Saída: decorar as letras e quando o artista cantasse a gente grudaria os ouvidos. Sei um montão daquelas antigas de cor, mas não me arrisco a cantar... Rapaz! Conseguir dinheiro jogando futebol ou cantando, Deus não se apiedou de mim. Ele me massacrou.

Aprendi a falar inglês? Neca! Mas leio maneiro. Consegui passar no vestibular pela pressão indireta do Ivo, pois naquele ano introduziram línguas estrangeiras e como sabia bem o francês, o escolhi juntamente com o inglês e mandei ferro nos concorrentes.

Mas o que tem a ver o assunto aqui exposto com o título? É que eu sou assim mesmo. Quando iniciei este texto pensava em escrever sobre chuva de flores. Desviei-me do assunto, agora vai ficar muito extenso e o Laércio briga comigo. Já sentiram como ele é brabo? Fica para outra ocasião. Por falar nisso, eu também devo pedir desculpas por ter enveredado por este tema de músicas e gosto musical sem antes me ter curvado diante do admirado Muros. Ele é catedrático no assunto e me penitencio por falar de tantas coisas das quais não tenho nenhuma autoridade para tal.

Ganhei dois CDs de alguns programas da Rádio Nacional, regravados dos grandes discos de vinil onde eram registrados os shows ao vivo daquela emissora. Já os ouvi e dei gostosas gargalhadas e belas incursões no tempo: Jararaca e Ratinho; Alvarenga e Ranchinho e muitas outras fontes de “culturas musicais” com as quais convivi. É mole? Acho eu que somente quem viveu àquela época pode dar gargalhada com as piadas ali gravadas. Achei tudo maravilhoso. Ainda não consegui retirar de todo o meu pé de lá. Nem quero.

Continuo brincalhão ao velho estilo. Os roceiros gostam de rir, cantar ou mesmo fingir que cantam; cantarolam baixinho ou assoviam. Até mesmo nas leiras dos cafezais ou nos eitos do canavial homens e mulheres trabalhavam cantando o dia todo. Onde eu encontrarei isso de novo a não ser buscando na minha memória?

Saiba ou não cantar, seja qual o tipo da música, cante, ouça músicas, veja menos TV e viva melhor. Não estou aqui para mudar qualquer comportamento humano (quem sou eu?), mas ouvir músicas de qualquer gênero ou conversar com amigos ou parentes é bem melhor.

Desculpem-me! Estou encapetado com tanta baixaria neste grande Brasil. Putz! Por que atrapalham tanto esta terra do presente e do futuro? Gente! Eu não tenho tanto mais tempo para esperar! Tem que ser agora! E eu ouço isso há mais de cinquenta anos! Pelo amor de Deus... Aaaah! Pras picas!

Hoje eu só quero pensar em música, cantoria, remelexo. Companheiro Lulinha Paz e Amor: segure as pontas! Eu vou dar o mote, você puxa a fila e bota o bloco na rua com muita, mas com muita animação mesmo. Depressa, homem! A coisa tá ruça!

Vamos lá: um... dois... três...e já: “Nóis trupica mais num cai...”

(Meu amigo Ivo Kellis faleceu recentemente e de modo imbecil. Não consigo entender: há mortes que não são imbecis?)

Dbadini
Enviado por Dbadini em 26/05/2010
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