DE VOLTA PARA O FUTURO

Neste ano de 2005 eu tomei a decisão de fazer um curso de especialização em Química Ambiental, uma espécie de pós-graduação para o ensino técnico em química clássico, oferecido pela Escola que me graduou em Química há 17 anos atrás. Causou espanto entre alguns amigos – entre eles, colegas professores – de que estaria retornando a um curso de segundo grau quando já estou terminando uma pós-graduação (e já pensando em um mestrado para breve) e tive a rara chance de ouvir pérolas tais como “você está regredindo”, “não faz sentido”, entre outras raridades. Bom, o que não faz sentido é saber se a Nazaré vai ou não vai morrer no final da novela e com quem a Do Carmo vai ficar (sim, eu também vejo novela, embora esporadicamente) no final da trama. Estudar é o canal para o deságüe em um mar de oportunidades.

Mas não é sobre minha decisão ou sobre o curso que quero falar, porém, da Escola Municipal 1º de Maio que cede seu espaço para a formação de um sem-número de profissionais de química, mecânica e administração.

Esta Escola, fundada em 1981 é um verdadeiro ícone no cenário acadêmico da Ilha de Santo Amaro, queiram ou não. Foi levantada num bairro a meio caminho de Vicente de Carvalho e Guarujá, vitalizando toda aquela região e trazendo uma movimentação sócio-econômica para seus habitantes. Em seus vinte e quatro anos de existência tem como maior qualidade não os seus formandos ou sua qualidade de ensino, mas a teimosia de seu prédio e dos funcionários que ali habitam.

Teimosia porque, quando fundada, foi projetada para ser Escola-modelo, recebendo recurso do Erário público e também de empresas interessadas em investir com tecnologia e assessoria; antevendo o que é comum hoje em dia: o enxugamento do Estado e a participação da iniciativa privada em projetos que atendam à população. Podemos dizer que em sua primeira metade de década a Escola atingiu em cheio o seu objetivo, como um pássaro em vôo pleno, absoluto em suas térmicas: as asas eram largas e o céu era de brigadeiro. Os alunos saíam, sem exagero, 90% empregados, aqueles que passavam à Universidade, transformavam-se em monitores de classe, tamanho era o conteúdo adquirido em quatro anos de estudo. O presente cronista também, quando freqüentou a faculdade, pouco de novo aprendeu, em química.

Trazer no currículo “Escola 1º de Maio” era voto de Minerva numa entrevista para emprego, as indústrias do Pólo Petroquímico de Cubatão praticamente pescavam seus funcionários neste grande aquário de profissionais, antes mesmo de formados. A bagagem para a viagem da vida consistia em enormes malas de conhecimento, enquanto alguns colégios oferecem pochettes em termos de educação.

Porém, com uma política educacional da Idade Média, a Escola teve suas vias de alimentação bloqueadas, e desde então, sobrevive por méritos da herança estrutural e arquitetônica e da teimosia de seus funcionários. Investimentos quase que nulos, remoção de funcionários por critérios exclusivamente políticos e não técnicos ou pedagógicos, enfim, a Escola entrou e ainda está em um processo de inanição profunda, mas reversível. Depende de quem for o médico responsável pela nutrição.

É triste adentrar ao prédio, pisando naquele chão quase que sagrado, e perceber que a memória acusa uma série de atrocidades: salas tristemente desarrumadas, um concreto impregnado de cupins, um laboratório que nada se parece com aquele que um dia treinou muitos dos atuais engenheiros espalhados pelo Brasil. O cenário não é de destruição (embora esta geração estudantil seja extremamente depredadora), mas de desolação. Um aparelho público inchado, com uma superlotação que poderia ser evitada com a construção de novas Escolas conjugada com uma boa administração da Educação no Município.

É a teimosia deste prédio que faz com que ele, acima dos 13 metros de estacas abaixo do solo de mangue, agüente ainda outras décadas, soberano, imponente e funcional. É também a teimosia dos professores, diretores e funcionários, que faz com que a Escola ainda forme alunos diferenciados, politizados, concatenados com o mundo ao seu redor; nem todos são assim, mas, na alienação que existe com o discente da escola pública, o 1º de Maio está a anos-luz de distância, colocando no mercado profissional gente de capacidade inequívoca. Principalmente pelos professores de alto gabarito, que estão ali porque gostam do que fazem, porque amam os alunos que os rodeiam; porque ali, mais do que química ou mecânica, o aluno aprende a ser cidadão.

Na minha modesta, porém honesta, opinião, a Escola 1º de Maio deveria retomar o rumo para o qual foi traçado. Eu sei, eu sei “que a escola municipal tem por obrigação a formação de alunos de educação básica e patati patatá, etc e tal” mas é preciso ousar, é preciso lembrar que alguém olhou para o deserto que era o bairro da Boa Esperança e construiu ali um oásis para o ser humano. Se o deserto agora está na vida e na alma dos cidadãos da Ilha de Santo Amaro, é preciso construir um oásis em cada coração. Há espaço para a educação básica, para o ensino profissionalizante e para um curso de especialização em nível médio, público e de alto nível, sim! Muitos acham que essa dupla (qualidade-ensino público) não é viável, mas eu acredito que sim, podemos dar uma educação de altíssima qualidade, mesmo sendo pública, tudo depende de quem manda, de quem executa e de quem está ali para aprender.

Sem voar alto, estaremos sujeitos a rastejar no pó da mediocridade, estaremos fadados aos atiradores de plantão que vivem nos meandros, nos charcos: covardes assassinos de sonhos e utopias. Portanto, se várias gestões tentaram, culposamente ou dolosamente, detonar o 1º de Maio sem explosivos, mas com a dinamite da omissão, com o TNT do bairrismo político e com as ogivas atômicas da incompetência, vamos nos juntar a esse grupo de teimosos, que só desejam o melhor para os filhos desta Ilha e manter vivo o Prédio, a tradição, a qualidade de ensino desta Casa. Vamos alçar vôo para uma cidade melhor para nós e as gerações futuras.

Ser águia ou ser galinha? A opção é nossa.

O autor é professor de ciências exatas no Ensino Médio e pós-graduando em Química pela UFLA-MG

Marcelo Lopes
Enviado por Marcelo Lopes em 07/06/2005
Reeditado em 21/06/2005
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