UM NOVO INIMIGO

Tenho um novo inimigo. Aliás, já tive vários na vida, mas esse começa a me irritar sobremaneira. Principalmente porque, diferentemente daqueles outros que já enfrentei, este não consigo visualizar fisicamente. Até aqui, encarei uma série de adversários palpáveis, passíveis de serem feridos – ora fisicamente, ora psicologicamente –, mas não é o caso deste que enfrento no momento. Não sei seu real nome, nem sei se tem um para ser sincero. Pior, nem sei se existe ou se é coisa da minha cabeça. É como um espião duplo, ou triplo, cuja identidade nem os superiores sabem. Daqueles que não são encontrados, eles é que te procuram. Alguns entendidos por aí costumam chamá-lo de relógio biológico.

Pois o meu tal de relógio biológico (não vou entrar em trivialidades científicas para descobrir se ele há de fato ou se é fruto de nossa imaginação) despirocou de vez. Faz-me acordar um dia às 6 horas da manhã, outro às 4h30, outro às 3 horas, outro às 9 horas. Em relação ao sono, tem noites que ele me bate às 23h, em alguns só às 2 da matina, noutro às 20 horas... Uma zona! Se ainda pudesse dizer que quando durmo cedo, acordo cedo... mas não é padrão. Há dias de 10 horas dormidas seguidas, como existem aqueles em que duas horas após a soneca estalo os olhos e “nunca mais” – como diria o corvo de Allan Poe. No início me incomodava, agora relaxei. Dou 15 minutos de chance às minhas pálpebras. Caso elas insistam em não fechar, levanto, e, independente da hora, leio um livro, escuto uma música, ligo a tevê, faço um chá, troco idéias com o cachorro e por aí vai.

Descobri que essa “aceitação” é a única arma que funciona. Não contra a insônia, mas pelo menos contra a ansiedade e irritação, que geralmente acompanham os mal-dormidos. E por isso é difícil lutar contra este inimigo em especial, pois ele só é dominado – e não vencido – se usarmos a indiferença como escudo. E exercitar a indiferença é um processo complicado, tanto nos amores quanto nos sonos. Ao longo da vida tive outros inimigos, os quais, vencendo ou perdendo, pelo menos sabia onde estavam. Ou seja, dava ao menos para se esconder, hehe. Este atual, não.

Dos outros me lembro bem. O primeiro me apareceu lá pela época da 3ª ou 4ª série. Era um menino loirinho (não me recordo do nome) – o queridinho das meninas do meu colégio. Que raiva! Ficava andando empertigado, cheio de pose, só porque levantava suspiros ao passar próximo às rodinhas de meninas. Elas até paravam seus afazeres durante o recreio (que se resumiam a trocas de papéis de carta dos Ursinhos Carinhosos e debates acalorados para definir qual dos New Kids On The Blocks era o mais lindo) só para vê-lo passar. E eu ali, no ostracismo – se bem que isso não mudou muito de lá para cá.

Sobre o segundo já comentei na crônica “O complô”, neste mesmo blog: é conhecido nos círculos internos como Organização Mundial de Terrorismo Psicológico dos Equinos. Eis um trecho daquele texto para que vocês entendam a gravidade da coisa: “[...] eles são terríveis. Possuem uma intrincada rede de comunicação, artimanhas, e sabem, mesmo que nunca o tenham visto, quem é você na hora em que estão diante de vossa pessoa. E eu estou na lista negra deles. Você pode até rir, mas é muito sofrido para pessoas perseguidas como eu. Cavalos e éguas do mundo inteiro estão avisados e preparados para me infligir as mais temíveis torturas.”

Graças aos céus não tenho tido mais encontros com os cavalinhos assassinos, pois os evito. São as benesses de se conhecer – e ver – o próprio inimigo. Também já deflagrei combates insanos versus hordas de formigas, ladras de migalhas de pão, e contra garrafas-pet criminosas, cujos jatos de refrigerante sob pressão frequentemente inundam minha cozinha. Contudo, o relógio biológico desregulado não adivinho como combater.

Minha mãe tenta ajudar com remédios caseiros, dicas centradas e simpatias, mas nada adianta. Pior: antes ela não tivesse feito isso, pois agora descobri que ela conhece infindáveis simpatias. Sendo assim, suspeito que, em um momento de desespero, ela possa usá-las para tentar antecipar um neto. Deus me livre! Decidi não seguir as simpatias dela, mesmo que ela diga que são para regular o sono (vai que é um ardil, me fazendo pensar que é para uma coisa e, no fim das contas, é para outra). Afinal, já pensou: se já não durmo direito (ou quase nada) agora, imagina com uma criança chorando noite adentro.

P.S: esta crônica foi escrita ontem à tarde e esta noite dormi 10 horas seguidas (das 8h da noite às 6h da manhã de hoje)... mas não baixarei a guarda, algo me diz que é algum truque do RB.