NEM TUDO QUE RELUZ É OURO

Aconteceu nos anos 80. A voz do alto-falante da rodoviária comunica o momento do embarque. A tripulação tipicamente rural, com sacos amarrados, sacolas plásticas, quase vomitando as roupas, marmitas lacradas com barbante, encimadas por um talher e muita ansiedade de sair do burburinho da capital. A viagem seria longa, dez horas noite adentro.

Ao meu lado, sentou-se um rapaz de pele escura, cabelos crespos, uma surrada calça jeans, camisa aberta ao peito, exibindo um crucifixo descomunal pelo tamanho do cadarço que o portava. Definitivamente, era um marginal. Olhos estranhos, jeito de gato que espreita para saltar ou saltear.

Notei que o companheiro de viagem ainda não dormira e, sempre calado, revolvia algum objeto no bolso traseiro da calça. Repetia constantemente o gesto, motivo por que minha curiosidade tornou-se preocupação. Tive a sensação de que ele portava uma arma de pequeno calibre e não consegui dormir, como sempre faço. Éramos três os insones: eu, ele e o motorista. Naquela altura da noite, do medo e do mundo, sentia-me desprotegida e, toda vez que o olhava, ele me olhava também como que desconfiado.

A certa altura, fez menção de levantar, ajeitou o bolso com a ponta dos dedos e sentou-se novamente, não sem me olhar. Daí surgiu-me uma idéia animadora: no primeiro ponto de café, chegaria para o motorista e contaria sobre a minha cisma e os riscos que todos corríamos, de sermos vítimas num possível assalto ou de uma agressão gratuita de um louco aparentemente manso. Encarei-o de maneira definitiva, mostrando que me inteirava de suas conspirações.

Chegando à parada, foi o primeiro a descer e, na pressa, deixou cair a suposta arma. Heroicamente me apossei do instrumento, parecia um garfo, com várias pontas pontiagudas e fatais.

Aproximei-me do motorista, orgulhosa de ter deixado a salvo uma boa amostragem da raça humana, inclusive eu mesma. Indaguei se conhecia aquela “arma”, informei-lhe da procedência e sobre o medo durante o trajeto. O motorista, entre risos, me informou que aquele objeto era um tipo de pente usado pelos jovens que usavam cabelos Black Power, para eriçá-los e que não era nenhum instrumento de risco. Voltei para meu assento entre desapontada e arrependida de não ter dormido.

Quando o suposto meliante voltou para seu lugar, entreguei-lhe o artefato, limitando-me a um ligeiro comentário sobre a tranqüilidade da viagem, ao que respondeu com um muxoxo sem sentido.

Chegando ao destino, fui a última a descer, pois pegara no sono. O motorista se aproximou bem de mim e, em tom de confidência disse:

- Aquele moço de quem a senhora se queixou me falou que veio do seu lado uma dona muito da mal-encarada, que devia ser doida ou maníaca, que não deixou dormir e que, desse jeito, não dá mais pé viajar de ônibus!

Aprendi que, realmente, nos equivocamos e que, definitivamente, “nem tudo que reluz... é luz!