As férias e o bar do seu Chico

Durante meses a espera era a mesma: quando as férias chegassem iríamos visitar os tios no Paraná. Nos anos 60 o Estado era cheio de possibilidades. Terra vermelha, terra boa! As cidades tinham ruas largas e as plantações de café ganhavam espaços. A visão que se tinha a partir da estrada era sempre belíssima! Tudo me chamava a atenção. A paisagem, o cheiro, as pessoas que iam e vinham, as lojas simples, o mercadinho. Sempre passavam as bicicletas, os jipes, os fuscas de todas as cores, mas sempre, invariavelmente, sujos de terra. Em Londrina, sentia-se ao longe o cheiro do café Pelé.

As pessoas eram mais marrons, com cara de trabalho duro e eu era apaixonada por esse tipo de vida. Vida que cheirava a liberdade, a trabalho e o trabalho na terra sempre me fascinou muitíssimo. O saber plantar, colher , experimentar, entender das coisas do tempo... isso é sabedoria transmitida através das gerações. Menina ainda, criada em apartamento de fundo, a vida acontecia sempre lá fora, em outros espaços, com outras conversas e sabores. E assim as viagens ao Paraná eram cheias de encantamento e de espera, doce espera!

De carro, principalmente, a viagem era mais emocionante. Principalmente quando se levava o almoço. O frango com a farofa era poético. Frango frio e, de sobremesa, uma laranja ou um pedaço de abacaxi. É muito triste o fato de frango com farofa ter virado uma comida que convida à piada. Só quem comeu isso na estrada com a família, curtindo as férias, sabe o que é felicidade. De fusca vermelho, cheio de bagagens, a vida ganhava cor e movimento.

Andar de jipe era como desvendar a vida. Uma vez o meu tipo me deixou dirigir na estrada de terra batida. Eu já havia passado dos 18 anos. O vento me batia no rosto e os primos pequenos iam com medo da aventura, de olhos arregalados, lá trás. Eu nunca me senti tão feliz! Naquele chão esburacado eu ia me sentindo uma pessoa resolvida, dona da minha história e até mesmo com aquela cor de cuia, tão típica dos paranaenses.

Mas tinha o bar do seu Chico... Defronte à casa do meu tio estava o bar do seu Chico. O chão de madeira envelhecida rangia a qualquer passo, mesmo com o peso de uma criança. As mesas e cadeiras de fórmica vermelha e com estrelas douradas me encantavam profundamente. O sorvete de casquinha não era para todos os dias, mas o picolé de groselha era o encantamento da minha infância, o bálsamo eterno da alma, a compensação por ter passado o ano inteiro fechada num apartamento de fundo num bairro central de São Paulo, tendo um piano enorme na minha frente e a obrigação de tocar músicas clássicas, das quais eu não entendia nada. Minto: tinha verdadeiro pavor! Mas o picolé de groselha refrigerava os pensamentos e sentimento e me dava ânimo para novas possibilidades, vontade de brincar e de rir, de sair correndo, de mexer na terra, de fazer qualquer coisa. Aí eu sentia a bondade da vida, a musicalidade possível no querer estar presente e enxergar, abraçar o mundo com o máximo entusiasmo por estar viva!

Do lado esquerdo do bar do seu Chico existiam as gavetas com balas e doces de abóbora, pés-de-moleque, maria-mole e outras maravilhas. Numa das gavetas existiam as balas 7 Belo e quando o meu tio ia nos visitar em São Paulo, passava antes no bar do seu Chico e comprava um bom punhado dessas guloseimas celestiais, que vinham embrulhadas num papel de pão. Quando o meu tio chegava eu já sabia: eram as balas 7 Belo, macias e especiais. Tão especiais como viver, ter esperança e sonhar.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 30/05/2010
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